quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Toiros de morte em Portugal - 1933 (I)


A proibição dos toiros de morte pelo decreto de 14 de Abril de 1928 diminuiu substancialmente o interesse pela Festa Brava. O retorno à farsa da estocada simulada foi um balde de água fria que frustrou os aficionados. É certo que ao Campo Pequeno acorriam diestros de fama, como o malogrado Manolo Bienvenida, Marcial Lalanda ou Domingo Ortega, que em algumas funções intervinham picadores e que os toiros lidados a pé eram agora desembolados. Todavia, como nota Jaime Duarte de Almeida, na sua «Enciclopédia Taurina», «por melhor organizados que se apresentem os programas, o público não acorre, como que negando-se a presenciar o espectáculo sem aqueles aspectos que já lhe tinham sido dados a conhecer.»
Nas fileiras do toureio equestre, as coisas não estavam melhores. Existia um abismo entre a dupla Simão da Veiga-João Núncio, dois cavaleiros de classe especial, e os restantes, quase todos amadores de escasso talento. «Apesar de termos dois artistas que consolidam a sua reputação nas próprias praças de Espanha e que emprestam um brilho excepcional às pobres touradas da nossa terra, nem mesmo João Núncio e Simão da Veiga conseguem encher a praça do Campo Pequeno, que nem por isso é muito grande», reconhecia D. Bernardo da Costa (Mesquitela), no seu livro «Toiros de Morte - Relatório».
Crítico do jornal «Vida Ribatejana», D. Bernardo da Costa era uma das vozes mais inconformadas com o retrocesso do nosso país às «pobres touradas». Nas páginas do seu jornal, encetou uma vigorosa campanha em favor da corrida integral, não apenas redigindo textos de grande brilhantismo, como apontando soluções concretas. Uma delas, datada de 1930, foi a instituição de uma zona de toiros de morte em Vila Franca de Xira, a explorar pela Assistência Nacional aos Tuberculosos. Apesar dos seus fins benéficos, a proposta que foi rejeitada. Noutra frente, um conjunto de bons aficionados constitui, em 1932, o Grupo Tauromáquico Sector 1, cujo lema, «Pró Toiros de Morte», dizia tudo.
Estas e outras pressões levaram o Governo, já então presidido por Salazar, a reabrir o processo. Em 29 de Abril de 1933, o ministro do Interior, Albino dos Reis, entrega o estudo da questão dos toiros de morte a uma comissão, que deveria apresentar um relatório ao fim de seis meses. No mesmo diploma, é autorizada a realização de duas corridas com toiros de morte, a 30 de Abril e a 7 de Maio. (Na imagem, Marcial Lalanda)

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Toiros de morte em Portugal - 1927 (III)


O exemplo do Campo Pequeno foi seguido em muitos pontos do país. Na temporada de 1927, realizam-se corridas de toiros de morte em numerosas praças, abrindo aos aficionados a perspectiva da instauração, a curto prazo, da corrida integral entre nós. Folheando a imprensa da época ficamos a saber que o espanhol Luís Fuentes Bejarano estoqueou reses em Almada e Santarém; Saleri II e Pablo Lalanda em Évora; Luís Freg, Fuentes Bejarano e Armillita na Moita; Rodalito e Joselito Martín em Espinho; Emílio Méndez em Coruche; o novilheiro Cantillana em Gouveia; Francisco Peralta Facultades na Figueira da Foz; Carnicerito de Málaga em Algés; José Paradas na Moita...
Porém, nem todos os festejos terão sido organizados da melhor maneira, o que motivou o receio de alguns aficionados mais prudentes. Por outro lado, a ganância de alguns empresários levava-os a contratar matadores de ínfima categoria, autênticos maletillas cujo mau desempenho era contraproducente para a causa da corrida integral. Pepe Luís, no jornal «Bandarilhas de Fogo», escreve: «Venham pois os toiros de morte, e o respectivo regulamento. Toiros de morte com artistas dignos. Não devem ser admitidos maletas a matar nas praças de Portugal. De contrário comprometer-se-ia o brilhantismo da festa.» Noutro artigo, intitulado «Não há direito», lê-se: «As corridas de toiros de morte são um facto; todavia, uma coisa se impõe às empresas ou comissões organizadoras. É o cartel.»
Como seria de esperar, esta onda desencadeou a ira dos anti-taurinos. Com base no alegado desrespeito da lei, a Sociedade Protectora dos Animais, a Liga da Moralidade Pública, o Conselho Nacional de Mulheres Portuguesas e a Sociedade Naturista lançam um manifesto contra os toiros de morte. A imprensa taurina responde com o sarcasmo: «Desprezemos a sinfonia lamurienta daqueles que temperam os bifes e o coelho à caçadora com uma caudalosa torrente de lágrimas... e volvamos os olhos para a festa cuja assistência é facultativa», exortava o «Bandarilhas de Fogo».
Apesar do claro apoio popular à corrida integral, o presidente do Conselho de Ministros da época, coronel Vicente de Freitas, toma o partido contrário. O Decreto 15.335, de 14 de Abril de 1928, vem probir expressamente as corridas com toiros de morte em território português. Os artistas que infringissem  a lei seriam punidos com prisão, multados e impedidos de actuar, para sempre, em praças nacionais.
Mas o assunto não foi encerrado pelo primeiro-ministro da Ditadura militar. Como adiante veremos, a questão continuou a ser debatida e conheceu novos desenvolvimentos em 1933. (Em cima, toiros de morte em Setúbal; em baixo, em Vila Franca)

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Toiros de morte em Portugal - 1927 (II)

No mês seguinte, o espectáculo repetiu-se. Para 31 de Julho de 1927, novamente no Campo Pequeno, é anunciada uma corrida a favor da Caixa de Pensões da Polícia de Segurança, presidida, uma vez mais, por Ferreira do Amaral... Em praça, António Luíz Lopes, Saleri II, Emílio Mendez, Pablo Lalanda e Pepe Ortíz, frente a exemplares de Palha Blanco para a lide equestre e de Alves do Rio, Neto Rebelo, Faustino da Gama e Ferreira Jordão para a lide a pé. Todos os toiros sairiam desembolados, sublinhava o cartel.
O Campo Pequeno encheu-se. «Houve o delírio do bilhete. A bicha junto da bilheteira dos Restauradores foi enorme, chegando até às portas do Éden», garantia o crítico Pepe Luís, no «ABC».
A série continuou a 7 de Agosto. Com as bancadas repletas, correram-se toiros de Faustino da Gama e Neto Rebelo, cujas lides couberam aos cavaleiros António Luiz Lopes e Fernando Ricardo Teixeira e aos matadores Luís Freg, Emílio Mendez e Fausto Barajas. Triunfou Emílio Mendez, que cortou uma orelha. A 21 de Agosto, Saleri II, Emílio Mendez e Pablo Lalanda matam exemplares de Palha, Alves do Rio, Neto Rebelo e Ferreira Jordão, e a 18 de Setembro, num espectáculo a favor da Cruz Vermelha, Antonio Márquez, Zurito e Manolo Martínez estoqueiam toiros espanhóis de Matias Sánchez.

Toiros de morte em Portugal - 1927 (I)

Entre 1927 e 1933, o ambiente taurino nacional foi sacudido pela questão dos toiros de morte. Tudo começou em 12 de Junho de 1927, numa corrida no Campo Pequeno, organizada pela Liga dos Combatentes, que tinha no cartaz o cavaleiro António Luiz Lopes e os espadas Fausto Barajas e Juan Espinosa Armillita, com toiros de Assunção Coimbra. Presidia ao espectáculo João Maria Ferreira do Amaral, governador civil de Lisboa e comandante da Polícia, e no camarote de honra encontravam-se o Presidente da República e vários ministros.
No final duma lide muito aplaudida, António Luiz Lopes pega no rojão de morte, dando mostras de querer estoquear o toiro. Porém, Ferreira do Amaral opõe-se, e o cavaleiro de Alhandra, acatando a decisão da autoridade, volta atrás. O público é que não concorda. «O caso levantou protestos por parte do público», nota o repórter d'«O Século». «Alguns conflitos pessoais se deram entre um reduzido número de espectadores e aos quais a Polícia, sem consequências de maior, pôs termo».
O espectáculo prossegue normalmente, até à lide do sétimo toiro, que coube a Fausto Barajas. Num gesto libertador, o madrileno pede autorização a Ferreira do Amaral para usar o estoque de verdade. Desta vez, o governador civil cede e Barajas faz rodar o coimbra com meia estocada e dois descabellos. Armillita faz o mesmo, deitando o seu toiro por terra com uma estocada inteira.
O clamor foi unânime. «Não se pode descrever o entusiasmo dos aficionados e a ovação que foi feita aos dois artistas: palmas, lenços agitados, etc. O público saltou à arena, pegou em triunfo nos 'espadas' dando volta aquela, no meio da maior ovação que temos presenciado em touradas, e assim foram os 'diestros' conduzidos até fora da praça», escreve Máximo Alcobia, n'«O Século».
Como explicar o sucedido? Por que morreram estes coimbras na arena, como os toiros bravos, e não no vil matadouro? Um conjunto de circunstâncias terá contribuído para tal. Estávamos em 1927. No ano anterior, a revolução de 28 de Maio tinha derrubado a I República e iniciado um novo ciclo político. Os tempos pareciam propícios a mudanças e, entre elas, por que não os toiros de morte? Havia depois a autoridade que o presidente dessa corrida histórica detinha. Respeitado pelos seus feitos militares em África e na Flandres, e sobretudo pelo combate à violência política nos derradeiros anos da I República, Ferreira do Amaral podia permitir-se o gesto de consentir um espectáculo que, de resto, a lei não proibia expressamente. O Decreto 5650 punia a violência exercida sobre animais, a Portaria 2700, de 6 de Abril de 1921, veio esclarecer que ele compreendia implicitamente os toiros de morte, mas, preto no branco, nenhum diploma os interditava. Por fim, não é demais referir que o toureio a pé gozava nesse tempo de grande popularidade em Portugal. Ao Campo Pequeno acorriam os grandes diestros do país vizinho, desde os Bienvenida a Marcial Lalanda, passando por Chicuelo Niño de la Palma, até mexicanos como Pepe Ortíz e Armillita. Esta conjugação de factores abriu caminho ao mais sério debate sobre a reimplantação dos toiros de morte   em Portugal, que se prolongou, como veremos, até 1933.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Viúva de José Falcão contesta proibição catalã

Rosa Gil é a viúva de José Falcão, matador português mortalmente colhido na Monumental de Barcelona, no Verão de 1974. É também presidente da Plataforma Promoción y Difusión de la Fiesta, uma organização pró-taurina catalã. É nessa qualidade que Rosa Gil se pronuncia contra o golpe proibicionista na Catalunha.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

quarta-feira, 21 de julho de 2010

«A vingança da Catalunha independentista»


A propósito da probição dos toiros na Catalunha, escreve Carlos Crivell, no seu blog Sevillatoro: «A reviravolta dos socialistas da Catalunha foi espantosa, ainda que pessoalmente não me surpreenda. (...) Aqui não existem programas de partido com linhas de conduta a manter por toda a Espanha. São políticos que só buscam o voto. Na Andaluzia apoiam a Festa porque é rentável nas urnas. Na Catalunha não fazem o mesmo porque não é políticamente correcto e pode levar à perda de apoios. (...). Muitos leitores puderam ver em diferentes reportagens as manifestações de muitos catalães antes e depois do triunfo de Espanha na final do Mundial. Viu-se com clareza que há gente com o ódio no sangue contra tudo o que cheire a Espanha. (...) É verdade que há gente normal, que é da Catalunha e se sente espanhola, mas há uma corrente muito forte que quer independência. E os touros 'pagarão o pato' no dia 28.»

segunda-feira, 19 de julho de 2010

domingo, 4 de julho de 2010

Dois novos sites: Cultoro e Toros para Niños


A Web é uma caixa de surpresas. Uma das últimas -e das melhores!- foi a descoberta de Cultoro, um novo site de conteúdo e grafismo super-interessantes. Cultoro define-se, e traduzo, como «um grande contentor que alberga no seu interior uma grande variedade de pequenas caixas, a modo de secções, nas quais se encontram diferentes maneiras de viver o Touro, pretendendo cuidar a linguagem visual e aproveitando as possibilidades que nos oferecem as novas tecnologias.»
Cultoro apresenta secções de entrevistas, opinião, reportagens e um espaço fotográfico denominado Campo de Touros, dedicado ao ambiente em que o touro bravo nasce e se desenvolve. Duas dessas reportagens foram efectuadas em Portugal. Intitulam-se «Paixão Taurina» e captam belas imagens do ambiente da Herdade da Barroca d'Alva, de José Samuel Lupi, e das ganadarias de Palha, Ribeiro Telles e Herdeiros do Conde de Cabral.
Outras «caixas» do site são a Galeria, onde se podem contemplar trabalhos de artes plásticas inspirados no toureiro, e o «Rincón del Neófito», que pretende familiarizar-nos com «os conceitos mais básicos da tauromaquia», desde a técnica do toureio até aos caracteres físicos do toiro de lide.
Agregado ao Cultoro, embora num site autónomo, temos o interessantíssimo Toros para Niños. Trata-se de um projecto pioneiro que, como o nome indica, fala sobre toiros e tauromaquia às crianças. Numa linguagem acessível, com a ajuda de coloridas e simpáticas ilustrações, explica-se aos mais pequenos a importância do toiro, do cavalo, da ganadaria, do toureiro e do toureio. Tudo isto complementado com jogos, descargas grátis e uma loja virtual. Algumas das funcionalidades ainda não estão operativas, mas pela amostra ficamos desde já com água na boca.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

O toureiro e o rocker


Zeca do Rock, nome artístico do cidadão José das Dores, foi um dos primeiros rockers portugueses e uma figura popular entre a juventude dos anos 60. O seu primeiro disco, gravado em 1961, incluía a faixa «O Sansão Foi Enganado», o primeiro tema português a ter um «yeah» - sinal de acompanhamento do que lá por fora se cantava... O que faz Zeca do Rock ao lado de Manuel dos Santos? Confesso que não sei. O blog Ié-Ié, de onde retirei a foto, diz que esta terá sido tirada por volta de 1962, mas não adianta pormenores. Talvez Manuel dos Santos e Zeca do Rock estejam num acto relacionado com  os concursos dos Reis do Espectáculo, muito populares nesse tempo, em que os nomes do toureiro e do rocker costumavam figurar.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Mário Cabré: catalão, toureiro, actor e poeta

Assinala-se a 1 de Julho o vigésimo aniversário da morte do catalão Mário Cabré, que além de matador de toiros foi actor de teatro e de cinema -participou em cerca de vinte películas-, locutor de televisão e poeta de apreciável obra. Mário Cabré Esteve nasceu em Barcelona, em 6 de Janeiro de 1916, no seio de uma família de artistas teatrais. A falta de antecedentes taurinos não foi óbice ao nascimento de uma afición que o leva a lançar-se nas arenas em 1934. No ano seguinte, a 23 de Setembro, toureira pela primeira vez com picadores, na Monumental de Barcelona, ao lado de Silvério Pérez e Rafael Ortega Gallito. Passada a guerra civil, estreia-se em Madrid, a 10 de Agosto de 1941, com Pepete de Triana, López Lago e José Alcántara.
Os primeiros triunfos sonantes chegam na temporada de 1943, na qual toureou uma vintena de novilhadas. Pronto para a alternativa, doutorou-se na Maestranza de Sevilha, tendo como padrinho  Domingo Ortega, que lhe cedeu o toiro Negociante, da ganadaria de Curro Chica, e testemunha El Estudiante. A carreira de Mário Cabré como matador, que se prolongou até 1957, teve altos e baixos. Apesar das suas qualidades - toureava magnificamente de capa, em verónicas lentas, com as mãos muito baixas-, nunca foi diestro de muitas corridas. Talvez porque os seus interesses artísticos se repartiam por diversas áreas. Entre 1947 e 1958, Cabré entrou em perto de uma vintena de filmes, entre os quais «Pandora and the Flying Dutchman» (em Portugal, «Pandora e o Holandês Voador»), em que contracenou com Ava Gardner e James Mason. Como poeta, publicou diversas obras: «Dietário Poético», «Danza Mortal», «Oda a Gala-Salvador Dalí» e «Canto sín Sosiego». Mário Cabré, catalão e artista multifacetado, faleceu na cidade que o viu nascer, em 1 de Julho de 1990. Se ainda pertencesse ao mundo dos vivos, quem duvida que a sua voz se juntaria aos protestos pela iníqua suspensão da Festa na sua Barcelona?

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Lembranças do motorista de Manolete


O toureiro é um profissional itinerante. A sua actividade exerce-se em diferentes praças, muitas vezes separadas por longas distâncias. Como tal, para os toureiros, ter bons motoristas é tão importante como ter bons bandarilheiros. Nos milhares de quilómetros palmilhados pelas estradas, o homem do volante tem nas mãos a vida do seu maestro e acompanhantes, com os quais partilha os momentos de felicidade e de angústia.
Em 1958, a extinta revista «El Ruedo» publicou uma entrevista com o motorista do célebre Manuel Rodríguez Sánchez Manolete, de seu nome António Miguel Yedero, reproduzida pelo blog Aula Taurina de Granada.
O entrevistado confirma que Manolete era um homem taciturno e formal. «Falava muito pouco. (...) Falava-me com todo o respeito, o que me surpreendeu, porque eu tinha outra ideia dos toureiros.» Porém, Manolete também era capaz de rir a bandeiras despregadas com as graças dos seus amigos Carnicerito de Málaga e Curro de Villacusa.
Yedero começou por conduzir um Hispano-Suiza, comprado ao matador António Márquez. Depois Manolete comprou um carro mais moderno, o famoso Buick azul que a Espanha inteira conhecia. As viagens quase não lhes permitiam respirar. Após a corrida, o matador e a quadrilha tomavam uma refeição rápida e punham-se a caminho sem mais demoras. O trajecto mais longo que efectuaram foi entre Barcelona e Zafra, num total de 1120 quilómetros. Na estrada, os toureiros dormiam. Yedero era «alimentado» por Chimo, moço de espadas de Manolete, com café, conhaque e charutos...
Na temporada de 1947, a de Linares, Manolete «já não queria tourear». Mas «o seu pundonor, a sua vergüenza e a sua responsabilidade fizeram-no ceder à pressão das empresas». Após a colhida, o moço de espadas Chimo pediu a Yedero que fosse ao hotel buscar as estampas religiosas que acompanhavam Manolete. O motorista assim fez, mas já nada podia salvar o diestro da fatal cornada infligida por Islero. (Na imagem, Manolete assina autógrafos no seu Buick. Ao fundo, o apoderado Camará)

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Club Cocherito de Bilbao celebra centenário


Incluído na Semana de Cultura Tauromáquica, realiza-se em Vila Franca de Xira, no próximo dia 30 de Junho, um colóquio sobre o centenário do clube taurino Cocherito de Bilbao, que este ano se assinala. A sessão, que terá lugar no Clube Taurino Vilafranquense, celebra uma das mais activas e prestigiadas associações  taurinas do país vizinho.
Algumas palavras sobre o seu patrono, o matador de toiros Cocherito de Bilbao. Cástor Jaureguibeitia Ibarra, assim se chamava, nasceu em 20 de Dezembro de 1876, em Bilbau. Ao longo da sua carreira participou em 616 festejos, nos quais matou 1668 hastados, em arenas de Espanha, Portugal, França, México e Perú. Toureiro de fibra e de toiros duros, Cocherito matou 43 corridas de Miura, 21 de Veragua e 20 de Félix Urcola, além de Murube, Guadalest, Pablo Romero e Parladé.
A imagem que se reproduz documenta uma actuação de Cocherito (terceiro a contar da esquerda) no Campo Pequeno, em 24 de Abril de 1910. Além do espada bilbaíno tourearam nessa tarde o seu compatriota Saleri e os cavaleiros José Casimiro e Eduardo Macedo.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Conhecer melhor Jaime Ostos


O matador Jaime Ostos (Écija, 1933) foi figura destacada do toureio na década de 1960. Entrevistado na última edição da revista «Taurodelta», Jaime Ostos recorda aspectos interessantes da sua carreira, do toureio e dos toureiros do seu tempo. Destaque para um famoso brinde, frente às câmaras da televisão, feito ao taquígrafo pessoal do generalíssimo Franco...

domingo, 13 de junho de 2010

Passo a citar (XI)


«O momento da verdade, da execução da sorte suprema, faz a grande diferença. (...) A morte do toiro é o culminar de tudo o que antes com ele se faz. (...) Por muito meritória ou bela que tenha sido a faena, da estocada fulminante depende o verdadeiro e autêntico triunfo. Quem não mata não triunfa, por muito bem que antes tenha toureado. (...) Em Portugal não se matam os toiros. Daí, a subjectividade da nossa Festa.»
                              
João Queiroz («Novo Burladero», nº 259, Junho de 2010)

segunda-feira, 7 de junho de 2010

«Primeiro traje de luces de Juan Belmonte»


                                   Torerillo de Pueblo! Ai, quem diria!...
                                   Adolescente banhado de luar!...
                                   Ó gentes! El Patrón da Toreria
                                   Vestido de luces vai passar
                                   Com sedas, lantejoulas, pedrarias
                                   No bailado da morte e aventura…
                                   Zuloaga, Solana, Vázquez Díaz!
                                   Já lhe preparam telas de pintura.
                                   E Elvas – em madrinha – dá-lhe o beijo
                                   «…e os panecillos tan ricos…» e o desejo
                                   De ser D. Juan Belmonte de Triana.
                                   E foi. Correu mundo. Cá voltou.
                                   Lembrou-se da madrinha? Ai, lembrou!
                                   Repiquem campanários do Guadiana…

                                                                            Azinhal Abelho*


* Poeta nascido em Orada, concelho de Borba, em 1911, e falecido em Lisboa, em 1979. Juan Belmonte, o toureiro aqui evocado, vestiu pela primeira vez o traje de luces em Elvas, em 6 de Maio de 1909. Antes da corrida, o empresário ofereceu um repasto a Belmonte e aos demais novilheiros espanhóis que com ele actuaram. Como estavam esfomeados, atiraram-se com unhas e dentes a uns pãezinhos, os «panecillos» a que o poeta se refere. Muitos anos depois, Belmonte voltou a Elvas, mostrando não ter esquecido a «madrinha».                       

sábado, 15 de maio de 2010

A tragédia de Talavera, 90 anos depois


Na cronologia do toureio, o mês de Maio é fatal. A 12 de Maio de 1904, como vimos no post anterior, foi mortalmente colhido o cavaleiro Fernando de Oliveira; nos dias 27 de Maio de 1894 e 1897, morreram Manuel García El Espartero e Júlio Aparici Fabrilo, nas praças de Madrid e Valência; a 7 de Maio de 1922, o touro Pocapena matou Manuel Granero; a 31 de Maio de 1931, tombou Gitanillo de Triana, vítima de Fandanguero; em 24 de Maio de 1941, Pascual Márquez, em Sevilha; e a 16 de Maio de 1920, em Talavera de la Reina, aquele a quem chamaram o Rei dos Toureiros, José Gómez Ortega, Gallito ou Joselito.
Gallito nasceu em Gelves, em 8 de Maio de 1895, filho do matador Fernando Gómez e irmão do legendário Rafael El Gallo. Com 12 anos começou a lidar bezerros, denotando desde logo uma intuição e umas qualidades excepcionais.
Ao tomar a alternativa em Madrid, com uns imberbes 17 anos, é-lhe já reconhecido o estatuto de maestro, pelo saber e maturidade de que dá mostras. Apenas Juan Belmonte lhe fez frente, numa rivalidade que despertou paixões nunca vistas e deu a essa época o epíteto de Idade de Ouro do toureiro.
O genial Gallito estreou-se no Campo Pequeno em 1908, integrado numa quadrilha de jovencíssimos toureiros, os Niños Sevillanos. Já matador consagrado, voltou a Lisboa diversas vezes, nomeadamente em 5 de Outubro de 1915, a 4 de Julho e a 10 de Outubro de 1917, a 9 e a 13 de Outubro de 1919. Poucos meses decorridos, em 16 de Maio de 1920, Bailaor, da Viúva de Ortega, um touro sem classe nem trapio, ceifar-lhe-ia a vida, na modesta praça de Talavera de la Reina. Passam agora 90 anos.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Fernando de Oliveira morreu há 106 anos

Em 12 de Maio de 1904, passam hoje 106 anos, foi mortalmente colhido o cavaleiro Fernando de Oliveira, na praça do Campo Pequeno. Ferrador, um toiro da ganadaria do marquês de Castelo Melhor, atingiu o cavalo de Fernando de Oliveira, o Azeitona, derrubando-o com estrépito. O cavaleiro bateu com a cabeça no solo, fracturando a base do crânio. A morte foi quase instantânea. O jornalista Norberto de Araújo descreve assim o trágico acontecimento:
«Fernando de Oliveira, que recebera a farpa da mão do espanhol Currinche, um bandarilheiro castelhano e medíocre, passa pelo sector 1, onde os amigos, debruçados sobre as capas, azul uma, branca outra, de Manuel dos Santos e Tomás da Rocha, o aplaudem; sorri vagamente a Bombita Chico, depois o famoso Ricardo Bombita, que da trincheira, ao lado de Chicuelo, segue a jornada do cavalo; saúda com mal disfarçado respeito as Majestades que olham o redondel distraidamente – e toma à esquerda o lugar para a gaiola. O Ferrador endireitou ao vulto do capote de Teodoro e a gaiola falhou para o cavaleiro. (...)
E que lindo vai agora o Azeitona, numa meia volta que Fernando de Oliveira remata com o seu brilhantismo peculiar! Mas o toiro é tardo e difícil. Fernando já saiu em falso duas vezes... É preciso apertar. Das barreiras, dos sectores de sombra e sombra-sol incitam-no. Há um pequeno silêncio no circo. Vai outra meia volta, e adivinha-se perigosa.
O toiro está nos tércios, em frente do sector 6, sombra-sol, e Morenito, um espanhol de Bombita, atira-lhe o capote. O toiro coloca-se, ainda que apertado. Fernando dá então uma sacudidela ao cavalo, que larga, enquanto a voz possante do cavaleiro incita o bicho – que se volta a sorte. O cavaleiro, corajosamente, remata, mas remata consentindo, isto é, deixando o toiro entrar muito. Cravou o ferro. Há um frémito, agora... O toiro colhera o ginete pela anca e, na violência da pancada, o Azeitona tombou, desequilibrou-se, foi ao solo. Já grita a praça em peso, aos capotes. Correm os espanhóis, porque tudo fora num segundo, pouco mais que num segundo. O cavaleiro saíra pela cabeça do cavalo, e está agora debaixo da montada, aquela montada gentil e donairosa, esperança do cavaleiro para breve, e que o toiro carrega, numa fúria, numa violência.
Por momentos está tudo de pé, nos sectores. Os capotes são inúteis; quase é preciso puxar o bicho, que alfim deixa a presa, já quando Fernando de Oliveira, sangrando da cabeça, com as abas da casaca vermelha voltadas sobre as costas – não dava acordo de si. O cavalo, sem governo, corre desordenadamente a praça. Todos os capotes estão agora em cena. Fernando é levado para a enfermaria. Pela praça vai um frio de morte.» (Norberto de Araújo, «A Morte Trágica de Fernando de Oliveira»)

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Despedidas de António Fuentes


O sevilhano António Fuentes y Zurita (1869-1938) foi um importante toureiro do período de transição entre os séculos XIX e XX, que vai da retirada de Rafael Guerra Guerrita ao advento de José Gómez Ortega Joselito.
Fuentes triunfa numa época de toureiros medianos, que Guerrita, apocalíptico e brutal, caracterizou numa frase célebre: «Después de mi, nadie, y después de nadie... Fuentes» («Depois de mim ninguém, e depois de ninguém... Fuentes»).
A elegância era a maior virtude de António Fuentes. Chamaram-lhe o Petrónio do Toureio, pela forma airosa com que lidava as agrestes reses do seu tempo. Mas tinha defeitos, entre os quais avultavam o deficiente manejo do estoque e uma grande irregularidade, fruto da apatia que muitas vezes demonstrava. Contudo, tal não impedia que os públicos o mimassem e a fina figura do toureiro sevilhano se destacasse entre a geração dos nadie.
Lisboa começou a idolatrar António Fuentes ainda este era apenas bandarilheiro na quadrilha do matador José Sánchez del Campo Cara Ancha. Correspondendo ao interesse da afición portuguesa, o sevilhano compareceu diversas vezes no Campo Pequeno, onde recolheu vibrantes ovações. Naquela que foi a sua primeira retirada, em 1908, Fuentes despediu-se do público lisboeta com uma corrida no Campo Pequeno, em meados daquele ano. A revista «Ilustração Portuguesa» deu grande destaque ao acontecimento, concedendo ao matador honras de capa e duas páginas com fotografias daquela que se pensava ser a última tarde de Fuentes em Lisboa.
Acontece que o diestro deu o dito por não dito e em 1910 reaparece. Regressa ao Campo Pequeno e a imprensa volta a dedicar-lhe atenção. O fotógrafo Joshua Benoliel retrata-o para a «Ilustração Portuguesa», sentado no estribo da trincheira, como um imperador no seu trono. Diminuído de faculdades e lembrando vagamente o extraordinário toureiro que havia sido, arrasta-se por praças da América Latina até 1921.
«O seu toureio era fino, clássico e sumamente elegante», lê-se, sobre António Fuentes, no 3º volume da enciclopédia «Los Toros». Com as bandarilhas, «mostrava-se sempre adornado, preciso e seguro (...) Manejava a muleta como poucos souberam manejá-la, com mesura e galhardia». António Fuentes morreu na sua cidade natal, em 9 de Maio de 1938.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Juan Belmonte no Campo Pequeno

Juan Belmonte (à esquerda), protagonista, juntamente com Joselito, da mais esplendorosa época do toureio, actuou diversas vezes em Lisboa. A primeira em 17 de Setembro de 1914, alternando com Manuel Mejías Bienvenida, na lide de exemplares de Infante da Câmara. Zé Jaleco, cronista d'«O Século», conta que o Pasmo de Triana «causou verdadeira admiração, pela maneira por que se arrima aos touros, dominando-os com lances arriscadíssimos. Foram soberbos os passes naturais, as verónicas e os molinetes, que executou com requintada elegância e mestria. As ovações que se fizeram ao diestro foram estrondosas e, realmente, mereceu-as.» Belmonte repetiu a 10 de Junho de 1915, ao lado de Manuel Torres Bombita III, novamente com touros  de Infante da Câmara, em corrida picada. Juan e o irmão mais novo dos Bombas «lancearam de capote, com elegância e arte, adornando-se aos quites por forma a provocar aplausos, especialmente no 7º touro, acabando por lancear al alimón, isto é, ambos com o mesmo capote, terminando por ajoelhar diante do bicho», lê-se no «Diário de Notícias».
«Com a muleta, ambos os diestros se adornaram, sendo no entanto mais luzidas as faenas de Bombita, embora as de Belmonte fossem mais artísticas.» São desta corrida as imagens que se reproduzem, extraídas da revista «Ilustração Portuguesa».
Juan Belmonte, o revolucionário do toureio, encontrava-se nesse ano de 1915 em plena rivalidade com Joselito. «Na temporada de 1915 contratei cento e quinze corridas, das quais toureei noventa», declara o diestro sevilhano na sua biografia, «Juan Belmonte Matador de Toros». «Alternei com Joselito em sessenta e oito, porque cada vez os públicos se encarniçavam mais com a competência que se obstinavam em suscitar e manter entre nós.»
É de 1915 o clamoroso triunfo do trianero na Corrida de Beneficência, em Madrid, «data gloriosa nos anais daquilo a que se chama 'o belmontismo'». Rezam as crónicas que Juan ligou, de forma assombrosa, quatro passes naturais com um passe de peito. No «ABC» do dia seguinte, lia-se: «Corrida de Beneficência! A caridade e a arte. Ao fundir-se num traje de luces tomam a figura trágica de um toureiro, e este chama-se Juan Belmonte».

domingo, 25 de abril de 2010

Mulheres na arena


Nos últimos anos, uma das grandes mudanças verificadas no ambiente taurino português foi, sem dúvida, o triunfo de mulheres no toureio a cavalo. Quem, há vinte ou trinta anos, encarava com naturalidade que num cartel, ao lado de cavaleiros e em plano de igualdade com estes, figurassem mulheres? É certo que houve o antecedente de Conchita Cíntron. Mas Conchita toureou poucos anos, e nunca deixou de enfrentar a oposição de muitos colegas do sexo masculino, que se negavam a actuar com ela unicamente por ser mulher... 
Felizmente, as mentalidades e os tempos são outros. Ana Batista e Sónia Matias, as duas cavaleiras que mais elevada cotação atingiram, cumprem na presente temporada dez anos de alternativa. Conseguiram profissionalizar-se, triunfaram e. tão importante como isso, tornaram normal o facto de outras mulheres quererem demonstrar provar o seu mérito nas arenas.
No entanto, a «batalha» não foi ganha com facilidade, como se conclui da entrevista que ambas concederam recentemente à revista «Novo Burladero». «Alguma vez sentiu vantagem, tanto no trato com os seus colegas do sexo masculino como na apreciação que o público faz de si, pelo facto de ser mulher?» Resposta de Sónia: «Nem vantagem nem desvantagem. Obviamente que há um certo público que tem tendência a acarinhar um pouco mais pelo facto de ser mulher. Relativamente aos colegas, inicialmente não foi tão fácil. Houve alguns, com quem actualmente me dou lindamente e até somos amigos e me respeitam, que se opuseram à minha entrada nos cartéis». A resposta de Ana não é tão directa, mas mostra que se no início houve reservas, elas foram ultrapassadas: «Em Portugal, quase todos os meus colegas foram sempre cavalheiros comigo, com palavras de apoio e conforto». Quanto ao público, Ana, que rodou alguns anos por Espanha com outras cavaleiras, sublinha as diferenças entre espanhóis e portugueses: «Em Espanha havia zonas em que nos arrasavam». Por cá, os espectadores reagem melhor. «Desde que o público me aceite e respeite, ainda cá vou andar muitos anos», exclama Sónia, com a certeza de que quando se retirar, não será por culpa do seu sexo.

Museus taurinos na Net


Alguns museus taurinos possuem páginas na Internet, e permitem visitas virtuais mais ou menos detalhadas. É o caso do museus de SalamancaMadrid, Valência, Sevilha, Alicante, Bilbao e Ronda. Pelo conteúdo e qualidade visual, destaca-se o site do Museu Taurino de Valência. A Sala de Exposições Permanentes conta com diversos núcleos: Tauromaquia Valenciana, Touro, Toureiro, A Lide e Praça de Touros. Nos Fundos do museu é possível apreciar os trabalhos de restauração de algumas peças. Nas Exposições, pequenos sumários dão-nos uma ideia das mostras já efectuadas no museu.

sábado, 24 de abril de 2010

terça-feira, 20 de abril de 2010

«Como unir el cielo con el capote?»

(Tela de Elísio Sumavielle, secretário de Estado da Cultura. In «Novo Burladero», nº256)

Benfica aficionado

Num momento em que o Benfica está à beira de ser campeão nacional, é oportuno recordar o contributo dos aficionados para a construção do antigo Estádio da Luz. Tal construção só foi possível através de uma gigantesca campanha de  recolha de fundos, lançada pelo presidente Joaquim Ferreira Bogalho. A campanha incluiu um festival taurino, realizado no Campo Pequeno em 26 de Outubro de 1952.
Do cartel constavam os cavaleiros João Núncio, José Rosa Rodrigues e Francisco Sepúlveda, os diestros Manuel dos Santos, António dos Santos, Joaquim Marques e Francisco Mendes, e os forcados amadores de Lisboa. À última hora, juntou-se-lhes o matador espanhol Manolo González, que se disponibilizou para lidar um dos novilhos cedidos por Cláudio Moura.
A gerência do Campo Pequeno, na pessoa de José Ricardo Domingues Júnior, filho do empresário, tudo fez «para o bom êxito da iniciativa.» Só o tempo não ajudou. «Toda a manhã de domingo choveu a bom chover, chuva miudinha que irritava e entristecia, e que pôs o chão da arena em ‘papa’.» A praça não encheu, mas mesmo assim o clube arrecadou uma receita líquida de 150 contos.
Conta o jornal «O Benfica» que «os cavalos, quer os das cortesias, quer os de combate - ostentavam grinaldas de cor vermelho-branco». Manuel Santareno, «o competente chefe de curros do Campo Pequeno, o mago da embolação, quis também homenagear o SLB, e forrou de vermelho-branco as bandarilhas empregadas na lide, sendo obra sua, também, a bandeirinha que se desfraldava nas farpas dos cavaleiros, após serem cravadas nos touros.»
O facto mais marcante da corrida foi a saída pela Porta Grande dos forcados de Lisboa, em condições muito especiais. Segundo  o antigo forcado Carlos Patrício Álvares (Chaubet), no seu livro «Pega de Caras», Manuel dos Santos terá incitado os forcados a pegarem a rês que acabara de tourear. «Estes, satisfeitos por poderem mostrar que pegavam sem dificuldade o que entre nós se toureia a pé, imediatamente acederam.» A pega foi concretizada e muito aplaudida, mas o director de corrida não esteve pelos ajustes e ordenou que o pegador fosse detido. «Evidentemente, bem à grupo de Lisboa da época –se vai um vão todos – lá saiu o grupo todo pela Porta Grande, escoltados pela polícia.» Os forcados foram libertados a tempo de poderem comparecer no jantar oferecido pelo Benfica, na Adega Mesquita. Nuno Salvação Barreto, esse, ficou sob custódia, mas enviou um telegrama aos seus rapazes: «A lei não me deixa comparecer, mas o vosso cabo está convosco. Viva o Benfica».

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Passo a citar (X)


«Não quero terminar sem dedicar algumas linhas patrióticas à nossa touradinha. Se calhar, eu é que sou embirrento, mas sempre que me lembro que o nosso Regulamento é o único no mundo que, em vez de considerar uma fraude a manipulação dos cornos, a manda expressamente executar, sinto-me invadido por aquela apagada e vil tristeza em que o português mergulha com tanta frequência.»

(Fernando Teixeira, «O Touro e o Destino»)

Cartéis com arte (IV)

sábado, 17 de abril de 2010

Touros a Norte: no Porto

A grande maioria dos espectáculos taurinos em Portugal concentra-se, hoje, a sul da linha do Tejo. Porém, tempos houve em que as corridas de touros foram muito populares no Norte do país, como atesta o investigador matosinhense Horácio Marçal, na sua brochura «Touradas, Toureiros e Tauródromos no Porto, Gaia e em Matosinhos» (1971).
No Porto, a tradição remontará a 24 de Junho de 1785, quando ali foi realizada uma tourada incluída, muito possivelmente, nos festejos do casamento do futuro D. João VI com D. Carlota Joaquina. Segundo Horácio Marçal, o acontecimento teve lugar «em praça especialmente construída para o efeito, no lugar da Torrinha, à estrada de Cedofeita.» Oito anos depois, em 2 de Junho de 1793, efectua-se outro espectáculo «em redondel também propositadamente erguido no então Campo de Santo Ovídio (actual Praça da República)», para comemorar o nascimento da infanta Maria Teresa. «A aludida praça de touros, rematada por uma série de balaústres e pirâmides, com portas em arco de meia volta ladeadas por colunas dóricas encimadas pelas armas da cidade, era de formato octogonal e de agradável concepção.»
Outros tauródromos terão existido no Porto setecentista. Contudo, de fonte segura, só em 1869 e 1870 há notícia da construção de novas praças: em Cadouços, Foz do Douro, por iniciativa «do popular e conhecido alquilador Raimundo dos Santos Natividade»; num terreno na Avenida da Boavista, obra do empreiteiro José Moreira de Matos, e ainda «no Largo da Aguardente (actual Praça Marquês de Pombal)». Nestes recintos actuaram cavaleiros de nomeada, como Francisco Carlos Batalha e Manuel Mourisca Júnior, e os melhores bandarilheiros portugueses.
No entanto, os melhores redondéis do Porto foram o Coliseu Portuense (em cima) e a praça da Rua da Alegria. O primeiro foi edificado em 1889, quando «o proprietário da Ourivesaria Viseense, na Rua de Santo António, Lopes Pereira, e o seu amigo e associado Joaquim Vieira de Magalhães, dois grandes aficionados da Festa Brava, resolveram constituir uma sociedade - Empresa Coelho Pereira & Magalhães - para a construção e exploração duma nova praça de touros». Projectada pelo engenheiro Estêvão Torres, foi inaugurada em 28 de Julho de 1889. «Era toda de cantaria, muito elegante, reunindo na sua construção tudo quanto havia de mais moderno», salienta Horácio Marçal.
Pela arena do Coliseu passaram os grandes cavaleiros, amadores e profissionais, da época: o marquês de Castelo Melhor, os viscondes de Alverca e da Várzea, D. Luís do Rego, Fernando de Oliveira, Alfredo Tinoco e Manuel Casimiro. A pé, matadores espanhóis da categoria de Guerrita, Espartero e Cara Ancha. Só os resultados financeiros não eram positivos, e por isso o Coliseu foi demolido em 1898. Seguiu-se-lhe a praça da Rua da Alegria (em baixo). Inaugurada em 4 de Maio de 1902, era «de madeira, ao gosto árabe, com uma lotação para 7000 pessoas». Nela se exibiram cavaleiros como José Casimiro o Morgado de Covas, José Bento de Araújo e outros. Entre os diestros espanhóis que nela compareceram destacam-se António Fuentes, Lagartijo, os irmãos Bombita, Machaquito, Manuel Mejías Bienvenida e Joselito, na quadrilha dos Niños Sevilllanos.  Em 1920 a praça da Rua da Alegria já não existia, pois nesse ano forma-se a Sociedade Tauromáquica Portuense, com o fim de construir «uma nova e grande praça de touros na Areosa». O tauródromo, sito num terreno de 6500 metros quadrados, foi palco de corridas, mas também de outros espectáculos, como combates de boxe. Ardeu em 1926, num «incêndio inexplicável», que «em quarenta e cinco minutos apenas, reduziu-a a cinzas.» Foi esta, de acordo com Horácio Marçal, a última praça de touros do Porto.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

A promessa de Mazzantini

Em Março de 1909, o matador espanhol retirado Luís Mazzantini foi surpreendido na legação de Espanha em Lisboa, por um repórter da «Ilustração Portuguesa». «Estaria feito diplomata?», questinou-se o jornalista. «Não, a sua missão era de carácter particular. Mazzantini viera a Lisboa expressamente entregar a S.M. El-Rei o estoque com que em Guatemala matou o seu último touro e que havia destinado a El-Rei D. Carlos.» Como este fôra assassinado um ano antes, no Terreiro do Paço, a espada, com uma «dedicatória a ouro«, foi recebida por seu filho, D. Manuel II. Mazzantini (1856-1926) tinha razões para estar grato a D. Carlos. Recebera do rei «várias provas de estima e entre elas a comenda da Conceição, com que agora se apresentou no paço, e que ele muito aprecia». Orgulhava-se  também do carinho do povo português, «cujos aplausos apreciou sempre duplamente, visto que não pôde mostrar-lhe o seu melhor trabalho - a morte do touro - no que era exímio.» Num passeio pela baixa de Lisboa, o repórter comprovou a popularidade do toureiro. Em qualquer lado «encontrava um conhecido; em S. Carlos conhecia todos os artistas com quem falava no mais correcto italiano. O que não era de estranhar, pois
Mazzantini, embora nascido em Elgóibar, no País Basco, era
filho de pai italiano e passou parte da infância e adolescência em Itália. Como nota o jornalista, D. Luís, como era respeitosamente tratado, tornou-se matador porque «se convenceu de que naquele tempo, em Espanha, apenas se podia ser duas coisas: cantor ou toureiro. Não tendo voz, escolheu a segunda.»
El Señorito Loco, como também lhe chamavam, sabia ler, ao contrário de muitos dos seus colegas de profissão, tocava piano, vestia elegantemente e frequentava o teatro e a ópera. Não foi um toureiro de época - distinguiu-se mais como um estoqueador valoroso -, mas ficou na história por ter implantado o sorteio dos touros, contra o todo-poderoso Guerrita, que procurava reservar para si os melhores exemplares.
A «Ilustração Portuguesa» recorda que Luís Mazzantini se estreou em Lisboa em 1885, ainda na praça do Campo de Santana. Com grande êxito, «toureou grátis numa corrida de beneficência promovida pela Srª Duquesa de Palmela e patrocinada por S.M. a Rainha Senhora D. Maria Pia.» Outras actuações se sucederam, nomeadamente nas corridas que inauguraram a praça do Campo Pequeno, em 1892. Depois de retirado, Mazzantini dedicou-se à política, tendo sido governador civil de Ávila e Guadalajara e exercido cargos importantes no ayuntamiento de Madrid. (Imagens: «Ilustração Portuguesa», 29 de Março de 1909)

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Morante de la Puebla: evolução às origens do toureio sevilhano



As atenções do mundo taurino convergem nestes dias para a Feira de Sevilha. Cidade taurina como nenhuma outra, dona de uma praça de beleza ímpar, Sevilha foi berço de extraordinários diestros e, mais do que isso, de um estilo: o toureio sevilhano. Toureio de harmonia e graça, de arte e naturalidade, praticado por espadas como Chicuelo, Pepe Luís Vazquez, Manolo González, Pepín Martín Vazquez e Curro Romero. A retirada deste último, em 2000, poderia ter deixado o toureio sevilhano sem intérpretes de realce - não fosse existir um diestro chamado José António Morante Camacho, mais conhecido como Morante de la Puebla. Para muitos aficionados e analistas da festa, Morante personifica a garantia da sobrevivência de um dos veios mais puros do toureio. É o caso do cronista Álvaro Acevedo, que no nº 3 da revista «Cuadernos de Tauromaquia» (Março de 2009) dedicou um extenso artigo ao matador de Puebla del Rio, a que deu o título «Evolução às origens».
Na opinião de Acevedo, a naturalidade é a característica mais marcante do toureio de Sevilha. «Não há constrangimento nem rigidez, a cintura não se quebra, não há toques firmes, nem o braço se estira para conduzir a investida. A necessidade do mando soluciona-se com a ponta dos dedos, os pulsos e a cintura, sem necessidade de estirar o braço. Tudo é flexibilidade, harmonia e suavidade.»
Numa dada fase da sua carreira, reconhece Acevedo, Morante não era «sevilhano» no que respeitava ao toureio fundamental (passes naturais, pela esquerda ou pela direita, passes de peito). A sua «sevilhania» era visível essencialmente nos detalhes, num kikiriki, num câmbio de mão, numa chicuelina. Hoje em dia, porém, Morante também pratica o estilo de Sevilha no toureio fundamental. Das suas mãos brota «um toureio de naturalidade absoluta, a cintura flexível e a figura erguida», numa forma «de entender a lide baseada no ritmo e em algo quiçá intangível a que chamamos 'graça'». Com o capote desenha verónicas de inexcedível profundidade. Com a muleta mete-se nos costados do touro, quando a necessidade de domínio o justifica, gira em molinetes «abelmontados» e rubrica passes de peito em que a flanela varre o lombo do touro, que desemboca no ombro contrário do toureiro. E tudo isto andando na cara do touro com a cadência e a graciosidade de quem acredita que o acto de um toureiro estar parado «oculta muitos defeitos».

O «clássico» e o «moderno»?

Anuncia-se para 1 de Maio, em Beja, um mano-a-mano entre o cavaleiro António Ribeiro Telles e o rejoneador Diego Ventura. Em grandes parangonas, o cartel apresenta António Telles como «O Clássico» e Ventura como «O Moderno». Por mim, chamo a essa qualificação publicidade enganosa e mais uma prova da desinformação que grassa no actual meio taurino português. Para começar, quem fez o cartel não percebe, ou não quer perceber, que toureio equestre à portuguesa e rejoneo, ou rejoneio, são coisas distintas e incomparáveis. Por mais aproximações que os rejoneadores espanhóis façam ao nosso toureio a cavalo, as duas escolas são diferentes, e, digo eu, assim devem continuar, a bem da diversidade da festa de touros. E como as realidades não são as mesmas, não se pode chamar a Telles «clássico», se se chama a Ventura «moderno». O cavaleiro da Torrinha é um «clássico« no universo do toureio a cavalo à portuguesa.  Nesse mesmo universo, há outros cavaleiros menos «clássicos», ou mais «modernos», sem deixarem de tourear à portuguesa.
Recuando alguns anos, João Núncio era «clássico» em relação, por exemplo, a Mestre Baptista, que praticava um toureio mais espectacular e «moderno», mas sem abdicar das regras da chamada arte de Marialva. Em resumo: não pode transmitir-se a ideia falsa que a modernidade do toureio equestre, e ainda menos do toureio equestre à portuguesa, são as cabriolas de Ventura. O cavaleiro de Puebla del Rio será «moderno» no contexto do rejoneio; mas não o é à luz do nosso toureio a cavalo, porque as regras dum e doutro não se confundem.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Cartéis com arte (III)

Praças de touros de Lisboa (IV)

A praça do Campo Pequeno foi inaugurada em 18 de Agosto de 1892, com um cartel formado pelos cavaleiros Alfredo Tinoco e Fernando de Oliveira e pelos bandarilheiros Vicente Roberto, Roberto da Fonseca, José Joaquim Peixinho, João do Rio Sancho e outros. Foi lidado um curro de Emílio Infante da Câmara. A necessidade da construção dum novo tauródromo em Lisboa foi sentida após a demolição da praça do Campo de Santana, em 1889, não apenas pelos aficionados, mas também pelos bandarilheiros que viviam do seu ofício. Com José Joaquim Peixinho à cabeça, os bandarilheiros mobilizam-se. Dirigem-se à entidade que tinha o exclusivo da organização de espectáculos tauromáquicos em Lisboa, a Casa Pia, e conseguem que esta abra um concurso para a construção de uma nova praça, que foi ganho pela Empresa Tauromáquica Lisbonense. Com base num projecto do arquitecto António Dias da Silva, foi erguido um edifício de estilo neo-árabe, inspirado na antiga praça madrilena da Carretera de Aragón.
Os trabalhos, a cargo do engenheiro E. Boussard, iniciaram-se em 16 de Agosto de 1891 e duraram dois anos. O imóvel custou 161.200 réis, ocupava uma área de 5840 metros quadrados e possuía uma arena de 80 metros de diâmetro. Ao que parece, o reduzido diâmetro do redondel «não se subordinou às necessidades efectivas do espectáculo, mas sim ao máximo possível para um popular toureiro, que, sofrendo do coração, não podia sujeitar-se a longas correrias.» (Jaime Duarte de Almeida, «História da Tauromaquia», I volume). Ao longo de 108 anos, a praça do Campo Pequeno foi a primeira do país e a única praça portuguesa de temporada. Por ela passaram os maiores nomes do toureio a pé e a cavalo, da Península Ibérica e América Latina.
 Em 2000, o imóvel foi encerrado, devido a graves deficiências de conservação. Manteve-se assim até 2006, ano em que foi reinaugurado, depois de grandes obras realizadas pela Sociedade de Recuperação Urbana Campo Pequeno (SRUCP). O aspecto exterior da praça, com destaque para as suas típicas fachadas de tijolo, foi mantido. No interior, o recinto foi inteiramente renovado, nomeadamente com a instalação de uma cobertura amovível, que permite a realização de espectáculos durante todo o ano. Este esforço de reabilitação foi reconhecido dentro e fora do país. Em Portugal, o Campo Pequeno foi premiado com o Óscar ao Melhor Empreendimento do Ano, atribuído pela revista «Imobiliária». Por sua vez, a revista espanhola «6 Toros 6» concedeu à SRUCP o prémio à melhor instituição tauromáquica de 2006.