quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Toiros de morte em Portugal - 1933 (I)


A proibição dos toiros de morte pelo decreto de 14 de Abril de 1928 diminuiu substancialmente o interesse pela Festa Brava. O retorno à farsa da estocada simulada foi um balde de água fria que frustrou os aficionados. É certo que ao Campo Pequeno acorriam diestros de fama, como o malogrado Manolo Bienvenida, Marcial Lalanda ou Domingo Ortega, que em algumas funções intervinham picadores e que os toiros lidados a pé eram agora desembolados. Todavia, como nota Jaime Duarte de Almeida, na sua «Enciclopédia Taurina», «por melhor organizados que se apresentem os programas, o público não acorre, como que negando-se a presenciar o espectáculo sem aqueles aspectos que já lhe tinham sido dados a conhecer.»
Nas fileiras do toureio equestre, as coisas não estavam melhores. Existia um abismo entre a dupla Simão da Veiga-João Núncio, dois cavaleiros de classe especial, e os restantes, quase todos amadores de escasso talento. «Apesar de termos dois artistas que consolidam a sua reputação nas próprias praças de Espanha e que emprestam um brilho excepcional às pobres touradas da nossa terra, nem mesmo João Núncio e Simão da Veiga conseguem encher a praça do Campo Pequeno, que nem por isso é muito grande», reconhecia D. Bernardo da Costa (Mesquitela), no seu livro «Toiros de Morte - Relatório».
Crítico do jornal «Vida Ribatejana», D. Bernardo da Costa era uma das vozes mais inconformadas com o retrocesso do nosso país às «pobres touradas». Nas páginas do seu jornal, encetou uma vigorosa campanha em favor da corrida integral, não apenas redigindo textos de grande brilhantismo, como apontando soluções concretas. Uma delas, datada de 1930, foi a instituição de uma zona de toiros de morte em Vila Franca de Xira, a explorar pela Assistência Nacional aos Tuberculosos. Apesar dos seus fins benéficos, a proposta que foi rejeitada. Noutra frente, um conjunto de bons aficionados constitui, em 1932, o Grupo Tauromáquico Sector 1, cujo lema, «Pró Toiros de Morte», dizia tudo.
Estas e outras pressões levaram o Governo, já então presidido por Salazar, a reabrir o processo. Em 29 de Abril de 1933, o ministro do Interior, Albino dos Reis, entrega o estudo da questão dos toiros de morte a uma comissão, que deveria apresentar um relatório ao fim de seis meses. No mesmo diploma, é autorizada a realização de duas corridas com toiros de morte, a 30 de Abril e a 7 de Maio. (Na imagem, Marcial Lalanda)

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Toiros de morte em Portugal - 1927 (III)


O exemplo do Campo Pequeno foi seguido em muitos pontos do país. Na temporada de 1927, realizam-se corridas de toiros de morte em numerosas praças, abrindo aos aficionados a perspectiva da instauração, a curto prazo, da corrida integral entre nós. Folheando a imprensa da época ficamos a saber que o espanhol Luís Fuentes Bejarano estoqueou reses em Almada e Santarém; Saleri II e Pablo Lalanda em Évora; Luís Freg, Fuentes Bejarano e Armillita na Moita; Rodalito e Joselito Martín em Espinho; Emílio Méndez em Coruche; o novilheiro Cantillana em Gouveia; Francisco Peralta Facultades na Figueira da Foz; Carnicerito de Málaga em Algés; José Paradas na Moita...
Porém, nem todos os festejos terão sido organizados da melhor maneira, o que motivou o receio de alguns aficionados mais prudentes. Por outro lado, a ganância de alguns empresários levava-os a contratar matadores de ínfima categoria, autênticos maletillas cujo mau desempenho era contraproducente para a causa da corrida integral. Pepe Luís, no jornal «Bandarilhas de Fogo», escreve: «Venham pois os toiros de morte, e o respectivo regulamento. Toiros de morte com artistas dignos. Não devem ser admitidos maletas a matar nas praças de Portugal. De contrário comprometer-se-ia o brilhantismo da festa.» Noutro artigo, intitulado «Não há direito», lê-se: «As corridas de toiros de morte são um facto; todavia, uma coisa se impõe às empresas ou comissões organizadoras. É o cartel.»
Como seria de esperar, esta onda desencadeou a ira dos anti-taurinos. Com base no alegado desrespeito da lei, a Sociedade Protectora dos Animais, a Liga da Moralidade Pública, o Conselho Nacional de Mulheres Portuguesas e a Sociedade Naturista lançam um manifesto contra os toiros de morte. A imprensa taurina responde com o sarcasmo: «Desprezemos a sinfonia lamurienta daqueles que temperam os bifes e o coelho à caçadora com uma caudalosa torrente de lágrimas... e volvamos os olhos para a festa cuja assistência é facultativa», exortava o «Bandarilhas de Fogo».
Apesar do claro apoio popular à corrida integral, o presidente do Conselho de Ministros da época, coronel Vicente de Freitas, toma o partido contrário. O Decreto 15.335, de 14 de Abril de 1928, vem probir expressamente as corridas com toiros de morte em território português. Os artistas que infringissem  a lei seriam punidos com prisão, multados e impedidos de actuar, para sempre, em praças nacionais.
Mas o assunto não foi encerrado pelo primeiro-ministro da Ditadura militar. Como adiante veremos, a questão continuou a ser debatida e conheceu novos desenvolvimentos em 1933. (Em cima, toiros de morte em Setúbal; em baixo, em Vila Franca)