domingo, 25 de abril de 2010

Mulheres na arena


Nos últimos anos, uma das grandes mudanças verificadas no ambiente taurino português foi, sem dúvida, o triunfo de mulheres no toureio a cavalo. Quem, há vinte ou trinta anos, encarava com naturalidade que num cartel, ao lado de cavaleiros e em plano de igualdade com estes, figurassem mulheres? É certo que houve o antecedente de Conchita Cíntron. Mas Conchita toureou poucos anos, e nunca deixou de enfrentar a oposição de muitos colegas do sexo masculino, que se negavam a actuar com ela unicamente por ser mulher... 
Felizmente, as mentalidades e os tempos são outros. Ana Batista e Sónia Matias, as duas cavaleiras que mais elevada cotação atingiram, cumprem na presente temporada dez anos de alternativa. Conseguiram profissionalizar-se, triunfaram e. tão importante como isso, tornaram normal o facto de outras mulheres quererem demonstrar provar o seu mérito nas arenas.
No entanto, a «batalha» não foi ganha com facilidade, como se conclui da entrevista que ambas concederam recentemente à revista «Novo Burladero». «Alguma vez sentiu vantagem, tanto no trato com os seus colegas do sexo masculino como na apreciação que o público faz de si, pelo facto de ser mulher?» Resposta de Sónia: «Nem vantagem nem desvantagem. Obviamente que há um certo público que tem tendência a acarinhar um pouco mais pelo facto de ser mulher. Relativamente aos colegas, inicialmente não foi tão fácil. Houve alguns, com quem actualmente me dou lindamente e até somos amigos e me respeitam, que se opuseram à minha entrada nos cartéis». A resposta de Ana não é tão directa, mas mostra que se no início houve reservas, elas foram ultrapassadas: «Em Portugal, quase todos os meus colegas foram sempre cavalheiros comigo, com palavras de apoio e conforto». Quanto ao público, Ana, que rodou alguns anos por Espanha com outras cavaleiras, sublinha as diferenças entre espanhóis e portugueses: «Em Espanha havia zonas em que nos arrasavam». Por cá, os espectadores reagem melhor. «Desde que o público me aceite e respeite, ainda cá vou andar muitos anos», exclama Sónia, com a certeza de que quando se retirar, não será por culpa do seu sexo.

Museus taurinos na Net


Alguns museus taurinos possuem páginas na Internet, e permitem visitas virtuais mais ou menos detalhadas. É o caso do museus de SalamancaMadrid, Valência, Sevilha, Alicante, Bilbao e Ronda. Pelo conteúdo e qualidade visual, destaca-se o site do Museu Taurino de Valência. A Sala de Exposições Permanentes conta com diversos núcleos: Tauromaquia Valenciana, Touro, Toureiro, A Lide e Praça de Touros. Nos Fundos do museu é possível apreciar os trabalhos de restauração de algumas peças. Nas Exposições, pequenos sumários dão-nos uma ideia das mostras já efectuadas no museu.

sábado, 24 de abril de 2010

terça-feira, 20 de abril de 2010

«Como unir el cielo con el capote?»

(Tela de Elísio Sumavielle, secretário de Estado da Cultura. In «Novo Burladero», nº256)

Benfica aficionado

Num momento em que o Benfica está à beira de ser campeão nacional, é oportuno recordar o contributo dos aficionados para a construção do antigo Estádio da Luz. Tal construção só foi possível através de uma gigantesca campanha de  recolha de fundos, lançada pelo presidente Joaquim Ferreira Bogalho. A campanha incluiu um festival taurino, realizado no Campo Pequeno em 26 de Outubro de 1952.
Do cartel constavam os cavaleiros João Núncio, José Rosa Rodrigues e Francisco Sepúlveda, os diestros Manuel dos Santos, António dos Santos, Joaquim Marques e Francisco Mendes, e os forcados amadores de Lisboa. À última hora, juntou-se-lhes o matador espanhol Manolo González, que se disponibilizou para lidar um dos novilhos cedidos por Cláudio Moura.
A gerência do Campo Pequeno, na pessoa de José Ricardo Domingues Júnior, filho do empresário, tudo fez «para o bom êxito da iniciativa.» Só o tempo não ajudou. «Toda a manhã de domingo choveu a bom chover, chuva miudinha que irritava e entristecia, e que pôs o chão da arena em ‘papa’.» A praça não encheu, mas mesmo assim o clube arrecadou uma receita líquida de 150 contos.
Conta o jornal «O Benfica» que «os cavalos, quer os das cortesias, quer os de combate - ostentavam grinaldas de cor vermelho-branco». Manuel Santareno, «o competente chefe de curros do Campo Pequeno, o mago da embolação, quis também homenagear o SLB, e forrou de vermelho-branco as bandarilhas empregadas na lide, sendo obra sua, também, a bandeirinha que se desfraldava nas farpas dos cavaleiros, após serem cravadas nos touros.»
O facto mais marcante da corrida foi a saída pela Porta Grande dos forcados de Lisboa, em condições muito especiais. Segundo  o antigo forcado Carlos Patrício Álvares (Chaubet), no seu livro «Pega de Caras», Manuel dos Santos terá incitado os forcados a pegarem a rês que acabara de tourear. «Estes, satisfeitos por poderem mostrar que pegavam sem dificuldade o que entre nós se toureia a pé, imediatamente acederam.» A pega foi concretizada e muito aplaudida, mas o director de corrida não esteve pelos ajustes e ordenou que o pegador fosse detido. «Evidentemente, bem à grupo de Lisboa da época –se vai um vão todos – lá saiu o grupo todo pela Porta Grande, escoltados pela polícia.» Os forcados foram libertados a tempo de poderem comparecer no jantar oferecido pelo Benfica, na Adega Mesquita. Nuno Salvação Barreto, esse, ficou sob custódia, mas enviou um telegrama aos seus rapazes: «A lei não me deixa comparecer, mas o vosso cabo está convosco. Viva o Benfica».

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Passo a citar (X)


«Não quero terminar sem dedicar algumas linhas patrióticas à nossa touradinha. Se calhar, eu é que sou embirrento, mas sempre que me lembro que o nosso Regulamento é o único no mundo que, em vez de considerar uma fraude a manipulação dos cornos, a manda expressamente executar, sinto-me invadido por aquela apagada e vil tristeza em que o português mergulha com tanta frequência.»

(Fernando Teixeira, «O Touro e o Destino»)

Cartéis com arte (IV)

sábado, 17 de abril de 2010

Touros a Norte: no Porto

A grande maioria dos espectáculos taurinos em Portugal concentra-se, hoje, a sul da linha do Tejo. Porém, tempos houve em que as corridas de touros foram muito populares no Norte do país, como atesta o investigador matosinhense Horácio Marçal, na sua brochura «Touradas, Toureiros e Tauródromos no Porto, Gaia e em Matosinhos» (1971).
No Porto, a tradição remontará a 24 de Junho de 1785, quando ali foi realizada uma tourada incluída, muito possivelmente, nos festejos do casamento do futuro D. João VI com D. Carlota Joaquina. Segundo Horácio Marçal, o acontecimento teve lugar «em praça especialmente construída para o efeito, no lugar da Torrinha, à estrada de Cedofeita.» Oito anos depois, em 2 de Junho de 1793, efectua-se outro espectáculo «em redondel também propositadamente erguido no então Campo de Santo Ovídio (actual Praça da República)», para comemorar o nascimento da infanta Maria Teresa. «A aludida praça de touros, rematada por uma série de balaústres e pirâmides, com portas em arco de meia volta ladeadas por colunas dóricas encimadas pelas armas da cidade, era de formato octogonal e de agradável concepção.»
Outros tauródromos terão existido no Porto setecentista. Contudo, de fonte segura, só em 1869 e 1870 há notícia da construção de novas praças: em Cadouços, Foz do Douro, por iniciativa «do popular e conhecido alquilador Raimundo dos Santos Natividade»; num terreno na Avenida da Boavista, obra do empreiteiro José Moreira de Matos, e ainda «no Largo da Aguardente (actual Praça Marquês de Pombal)». Nestes recintos actuaram cavaleiros de nomeada, como Francisco Carlos Batalha e Manuel Mourisca Júnior, e os melhores bandarilheiros portugueses.
No entanto, os melhores redondéis do Porto foram o Coliseu Portuense (em cima) e a praça da Rua da Alegria. O primeiro foi edificado em 1889, quando «o proprietário da Ourivesaria Viseense, na Rua de Santo António, Lopes Pereira, e o seu amigo e associado Joaquim Vieira de Magalhães, dois grandes aficionados da Festa Brava, resolveram constituir uma sociedade - Empresa Coelho Pereira & Magalhães - para a construção e exploração duma nova praça de touros». Projectada pelo engenheiro Estêvão Torres, foi inaugurada em 28 de Julho de 1889. «Era toda de cantaria, muito elegante, reunindo na sua construção tudo quanto havia de mais moderno», salienta Horácio Marçal.
Pela arena do Coliseu passaram os grandes cavaleiros, amadores e profissionais, da época: o marquês de Castelo Melhor, os viscondes de Alverca e da Várzea, D. Luís do Rego, Fernando de Oliveira, Alfredo Tinoco e Manuel Casimiro. A pé, matadores espanhóis da categoria de Guerrita, Espartero e Cara Ancha. Só os resultados financeiros não eram positivos, e por isso o Coliseu foi demolido em 1898. Seguiu-se-lhe a praça da Rua da Alegria (em baixo). Inaugurada em 4 de Maio de 1902, era «de madeira, ao gosto árabe, com uma lotação para 7000 pessoas». Nela se exibiram cavaleiros como José Casimiro o Morgado de Covas, José Bento de Araújo e outros. Entre os diestros espanhóis que nela compareceram destacam-se António Fuentes, Lagartijo, os irmãos Bombita, Machaquito, Manuel Mejías Bienvenida e Joselito, na quadrilha dos Niños Sevilllanos.  Em 1920 a praça da Rua da Alegria já não existia, pois nesse ano forma-se a Sociedade Tauromáquica Portuense, com o fim de construir «uma nova e grande praça de touros na Areosa». O tauródromo, sito num terreno de 6500 metros quadrados, foi palco de corridas, mas também de outros espectáculos, como combates de boxe. Ardeu em 1926, num «incêndio inexplicável», que «em quarenta e cinco minutos apenas, reduziu-a a cinzas.» Foi esta, de acordo com Horácio Marçal, a última praça de touros do Porto.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

A promessa de Mazzantini

Em Março de 1909, o matador espanhol retirado Luís Mazzantini foi surpreendido na legação de Espanha em Lisboa, por um repórter da «Ilustração Portuguesa». «Estaria feito diplomata?», questinou-se o jornalista. «Não, a sua missão era de carácter particular. Mazzantini viera a Lisboa expressamente entregar a S.M. El-Rei o estoque com que em Guatemala matou o seu último touro e que havia destinado a El-Rei D. Carlos.» Como este fôra assassinado um ano antes, no Terreiro do Paço, a espada, com uma «dedicatória a ouro«, foi recebida por seu filho, D. Manuel II. Mazzantini (1856-1926) tinha razões para estar grato a D. Carlos. Recebera do rei «várias provas de estima e entre elas a comenda da Conceição, com que agora se apresentou no paço, e que ele muito aprecia». Orgulhava-se  também do carinho do povo português, «cujos aplausos apreciou sempre duplamente, visto que não pôde mostrar-lhe o seu melhor trabalho - a morte do touro - no que era exímio.» Num passeio pela baixa de Lisboa, o repórter comprovou a popularidade do toureiro. Em qualquer lado «encontrava um conhecido; em S. Carlos conhecia todos os artistas com quem falava no mais correcto italiano. O que não era de estranhar, pois
Mazzantini, embora nascido em Elgóibar, no País Basco, era
filho de pai italiano e passou parte da infância e adolescência em Itália. Como nota o jornalista, D. Luís, como era respeitosamente tratado, tornou-se matador porque «se convenceu de que naquele tempo, em Espanha, apenas se podia ser duas coisas: cantor ou toureiro. Não tendo voz, escolheu a segunda.»
El Señorito Loco, como também lhe chamavam, sabia ler, ao contrário de muitos dos seus colegas de profissão, tocava piano, vestia elegantemente e frequentava o teatro e a ópera. Não foi um toureiro de época - distinguiu-se mais como um estoqueador valoroso -, mas ficou na história por ter implantado o sorteio dos touros, contra o todo-poderoso Guerrita, que procurava reservar para si os melhores exemplares.
A «Ilustração Portuguesa» recorda que Luís Mazzantini se estreou em Lisboa em 1885, ainda na praça do Campo de Santana. Com grande êxito, «toureou grátis numa corrida de beneficência promovida pela Srª Duquesa de Palmela e patrocinada por S.M. a Rainha Senhora D. Maria Pia.» Outras actuações se sucederam, nomeadamente nas corridas que inauguraram a praça do Campo Pequeno, em 1892. Depois de retirado, Mazzantini dedicou-se à política, tendo sido governador civil de Ávila e Guadalajara e exercido cargos importantes no ayuntamiento de Madrid. (Imagens: «Ilustração Portuguesa», 29 de Março de 1909)

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Morante de la Puebla: evolução às origens do toureio sevilhano



As atenções do mundo taurino convergem nestes dias para a Feira de Sevilha. Cidade taurina como nenhuma outra, dona de uma praça de beleza ímpar, Sevilha foi berço de extraordinários diestros e, mais do que isso, de um estilo: o toureio sevilhano. Toureio de harmonia e graça, de arte e naturalidade, praticado por espadas como Chicuelo, Pepe Luís Vazquez, Manolo González, Pepín Martín Vazquez e Curro Romero. A retirada deste último, em 2000, poderia ter deixado o toureio sevilhano sem intérpretes de realce - não fosse existir um diestro chamado José António Morante Camacho, mais conhecido como Morante de la Puebla. Para muitos aficionados e analistas da festa, Morante personifica a garantia da sobrevivência de um dos veios mais puros do toureio. É o caso do cronista Álvaro Acevedo, que no nº 3 da revista «Cuadernos de Tauromaquia» (Março de 2009) dedicou um extenso artigo ao matador de Puebla del Rio, a que deu o título «Evolução às origens».
Na opinião de Acevedo, a naturalidade é a característica mais marcante do toureio de Sevilha. «Não há constrangimento nem rigidez, a cintura não se quebra, não há toques firmes, nem o braço se estira para conduzir a investida. A necessidade do mando soluciona-se com a ponta dos dedos, os pulsos e a cintura, sem necessidade de estirar o braço. Tudo é flexibilidade, harmonia e suavidade.»
Numa dada fase da sua carreira, reconhece Acevedo, Morante não era «sevilhano» no que respeitava ao toureio fundamental (passes naturais, pela esquerda ou pela direita, passes de peito). A sua «sevilhania» era visível essencialmente nos detalhes, num kikiriki, num câmbio de mão, numa chicuelina. Hoje em dia, porém, Morante também pratica o estilo de Sevilha no toureio fundamental. Das suas mãos brota «um toureio de naturalidade absoluta, a cintura flexível e a figura erguida», numa forma «de entender a lide baseada no ritmo e em algo quiçá intangível a que chamamos 'graça'». Com o capote desenha verónicas de inexcedível profundidade. Com a muleta mete-se nos costados do touro, quando a necessidade de domínio o justifica, gira em molinetes «abelmontados» e rubrica passes de peito em que a flanela varre o lombo do touro, que desemboca no ombro contrário do toureiro. E tudo isto andando na cara do touro com a cadência e a graciosidade de quem acredita que o acto de um toureiro estar parado «oculta muitos defeitos».

O «clássico» e o «moderno»?

Anuncia-se para 1 de Maio, em Beja, um mano-a-mano entre o cavaleiro António Ribeiro Telles e o rejoneador Diego Ventura. Em grandes parangonas, o cartel apresenta António Telles como «O Clássico» e Ventura como «O Moderno». Por mim, chamo a essa qualificação publicidade enganosa e mais uma prova da desinformação que grassa no actual meio taurino português. Para começar, quem fez o cartel não percebe, ou não quer perceber, que toureio equestre à portuguesa e rejoneo, ou rejoneio, são coisas distintas e incomparáveis. Por mais aproximações que os rejoneadores espanhóis façam ao nosso toureio a cavalo, as duas escolas são diferentes, e, digo eu, assim devem continuar, a bem da diversidade da festa de touros. E como as realidades não são as mesmas, não se pode chamar a Telles «clássico», se se chama a Ventura «moderno». O cavaleiro da Torrinha é um «clássico« no universo do toureio a cavalo à portuguesa.  Nesse mesmo universo, há outros cavaleiros menos «clássicos», ou mais «modernos», sem deixarem de tourear à portuguesa.
Recuando alguns anos, João Núncio era «clássico» em relação, por exemplo, a Mestre Baptista, que praticava um toureio mais espectacular e «moderno», mas sem abdicar das regras da chamada arte de Marialva. Em resumo: não pode transmitir-se a ideia falsa que a modernidade do toureio equestre, e ainda menos do toureio equestre à portuguesa, são as cabriolas de Ventura. O cavaleiro de Puebla del Rio será «moderno» no contexto do rejoneio; mas não o é à luz do nosso toureio a cavalo, porque as regras dum e doutro não se confundem.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Cartéis com arte (III)

Praças de touros de Lisboa (IV)

A praça do Campo Pequeno foi inaugurada em 18 de Agosto de 1892, com um cartel formado pelos cavaleiros Alfredo Tinoco e Fernando de Oliveira e pelos bandarilheiros Vicente Roberto, Roberto da Fonseca, José Joaquim Peixinho, João do Rio Sancho e outros. Foi lidado um curro de Emílio Infante da Câmara. A necessidade da construção dum novo tauródromo em Lisboa foi sentida após a demolição da praça do Campo de Santana, em 1889, não apenas pelos aficionados, mas também pelos bandarilheiros que viviam do seu ofício. Com José Joaquim Peixinho à cabeça, os bandarilheiros mobilizam-se. Dirigem-se à entidade que tinha o exclusivo da organização de espectáculos tauromáquicos em Lisboa, a Casa Pia, e conseguem que esta abra um concurso para a construção de uma nova praça, que foi ganho pela Empresa Tauromáquica Lisbonense. Com base num projecto do arquitecto António Dias da Silva, foi erguido um edifício de estilo neo-árabe, inspirado na antiga praça madrilena da Carretera de Aragón.
Os trabalhos, a cargo do engenheiro E. Boussard, iniciaram-se em 16 de Agosto de 1891 e duraram dois anos. O imóvel custou 161.200 réis, ocupava uma área de 5840 metros quadrados e possuía uma arena de 80 metros de diâmetro. Ao que parece, o reduzido diâmetro do redondel «não se subordinou às necessidades efectivas do espectáculo, mas sim ao máximo possível para um popular toureiro, que, sofrendo do coração, não podia sujeitar-se a longas correrias.» (Jaime Duarte de Almeida, «História da Tauromaquia», I volume). Ao longo de 108 anos, a praça do Campo Pequeno foi a primeira do país e a única praça portuguesa de temporada. Por ela passaram os maiores nomes do toureio a pé e a cavalo, da Península Ibérica e América Latina.
 Em 2000, o imóvel foi encerrado, devido a graves deficiências de conservação. Manteve-se assim até 2006, ano em que foi reinaugurado, depois de grandes obras realizadas pela Sociedade de Recuperação Urbana Campo Pequeno (SRUCP). O aspecto exterior da praça, com destaque para as suas típicas fachadas de tijolo, foi mantido. No interior, o recinto foi inteiramente renovado, nomeadamente com a instalação de uma cobertura amovível, que permite a realização de espectáculos durante todo o ano. Este esforço de reabilitação foi reconhecido dentro e fora do país. Em Portugal, o Campo Pequeno foi premiado com o Óscar ao Melhor Empreendimento do Ano, atribuído pela revista «Imobiliária». Por sua vez, a revista espanhola «6 Toros 6» concedeu à SRUCP o prémio à melhor instituição tauromáquica de 2006.

Glória que mata

Os touros dão fama e fortuna, mas também matam. É o que distingue o toureio de espectáculos como o teatro, por exemplo: na arena morre-se a sério. A crónica de sangue da Festa pode agora ser consultada em Los toros dan y quitan, um site que enumera as centenas de vítimas mortais da tauromaquia, desde diestros de renome a simples curiosos.

sábado, 10 de abril de 2010

A Pepe Luiz Vásquez, nos 60 anos de alternativa


Esse tímido colegial de resplendor trigueiro
na cabeça tão fina qual caroço de um fruto
é um toureiro novo de Sevilha a velha
que os antigos saberes perpetua e destila.

Ninguém sabe em que aulas cursou trívio e quadrívio.
Dizem que ao matadouro, como um Rembrandt obsesso,
acorria para ler nas vísceras violáceas
e nas rubras o signo do seu feliz planeta.


Menino entre os doutores da ciência do açougue
-que cena para um quadro soberbo de Velásquez!-
junto aos rostos cruéis do satânico ofício
espreita o seu, ainda mal florido de penugem.


Mas vede-o feito «outro Marte»: a nobre espada,
não a faca vulgar, na dextra já ungida,
e a borla suprema da escolástica jovial
como auréola simbólica por trás da fronte de ouro.


Para o touro em estátua, solene se encaminha.
Um passo, dois, três, quatro e uma ordem desdenhosa.
O negro touro observa-o, avalia-o, rumina-o
e na confusa noite de ferido instinto aguarda.


Agora já não são passos. É a alegre corrida
de longe e o repentino, encarniçado arranque
da receosa fera. Já é Marte contra Júpiter.
Que colisão -angústia- de duas órbitas lançadas.


Mas não. A sorte pode salvar-se a puro risco.
A astrologia pinta com firme pulso canho
o arco do destino. As entranhas não mentem.
Pepe Luis sorri ante a obra perfeita.


A essência de um toureio de cristal fino, fino,
a elegância que ignora a própria natureza,
a transparência encontraram já seu curso.
E sob o sol de Espanha há um toureiro novo.

Gerardo Diego (tradução de José Bento)

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Tomates

Elísio Sumavielle, secretário de Estado da Cultura, e António Costa, presidente da Câmara de Lisboa, estiveram presentes na corrida que inaugurou a temporada no Campo Pequeno, ontem à noite. António Costa aproveitou para agraciar José Luís Gomes com a Medalha de Mérito Municipal, na hora da despedida de cabo do grupo de forcados de Lisboa. Os dois políticos terão tido muitas razões para irem ao Campo Pequeno, desde o genuíno apreço pela festa - Sumavielle, pelo menos, gosta de toiros- à capitalização da simpatia dos aficionados. Mas num tempo de histeria «animalista» e de vassalagem ao politicamente correcto, uma coisa ninguém lhes pode negar: tomates.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Toureio português, esse desconhecido


A história do toureio em Portugal é em boa medida desconhecida. Apesar da importância do espectáculo tauromáquico no contexto da cultura popular dos últimos 300 anos, pouquíssimos estudiosos o têm abordado com o rigor científico que deve presidir a toda a investigação.
As escassas obras de tema taurino que se publicam, têm, na sua maioria, carácter biográfico, com o senão de versarem quase todas sobre figuras contemporâneas, e de misturarem, frequentemente, informação com bajulação. Contam e enumeram factos- mas raramente os encadeiam e explicam.
À falta de uma panorâmica geral do toureio português, que se aventure até às raízes, colha factos e os interprete, retire conclusões e construa teses, temos de continuar a basear-nos na antiga «História da Tauromaquia – Técnica e Evolução Artística do Toureio», de Jaime Duarte de Almeida, dada à estampa no início dos anos 50 do século passado.
A imprensa taurina poderia e deveria ter outro papel. Sobra nela a crítica requentada de espectáculos, a «bronca» de sarjeta, a opinião sem fundamento e o apontamento cor-de-rosa. Falta a reflexão com alguma profundidade, o texto informado e original, que vá para além do conhecimento que se pode colher em qualquer obra de generalidades tauromáquicas.
A acção da Secção de Municípios com Actividade Taurina,  da Associação Nacional de Municípios, é quase secreta. Numa época em que tanto se prega a transparência, os seus documentos não são acessíveis aos cidadãos, mas apenas aos municípios associados; não existem fundações ou outras instituições que promovam e incentivem os estudos taurinos; à parte colecções particulares, não existem museus tauromáquicos nem bibliotecas especializadas.
Os ventos mudarão? Quem sabe, um dia… Até lá, continuará a reinar o «conhecimento» mais ou menos mitificado, entre a verdade e a ilusão.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Um grito na parede: origem e evolução do cartel taurino (III)

A década de 1930 é considerada a «idade de ouro» do cartelismo taurino. O desenvolvimento das técnicas de impressão conjuga-se com o aparecimento de uma plêiade de artistas do cartaz, que tem em Ruano Llopis (1879-1950) e Roberto Domingo (1883-1956) as suas figuras cimeiras. Dos pincéis dos cartelistas nascem composições plenas de vida, luz e dinamismo, numa paleta de tons que recria eloquentemente todo o calor e emoção que rodeia a Festa. Para este aperfeiçoamento contribuiu sobremaneira a revista taurina «La Lidia», que se publicou entre 1882 e 1927. Considerada a melhor da sua época, a revista teve a colaboração de ilustradores de alto nível, como Daniel Perea e Ángel Lizcano, que com a sua imaginação e criatividade abriram novos caminhos à arte do cartelismo taurino.
Os cartéis da «idade de ouro» caracterizam-se pelo abandono do barroquismo que marcava os de eras anteriores. Desaparecem as cenas múltiplas, os ornamentos pesados e o excesso de elementos decorativos. O cartel-tipo de um artista como Ruano Llopis, por exemplo, apresenta uma cena única, em que o elemento dominante pode ser uma figura feminina, uma sorte do toureio ou um touro, pura e simplesmente. Porém, seja com uma manola, um passe de muleta ou um touro de temível trapio, as obras de Ruano Llopis emanam vivacidade e cor. De salientar que os melhores cartéis desta época são produzidos pela mesma casa, a Litografia Ortega, de Valência, ainda hoje existente.
O cartelismo português conhece também melhorias evidentes. Muitos anúncios do Campo Pequeno dos anos 30/40 apresentam um grafismo de alta qualidade, da autoria de ilustradores como Alfredo Morais, Alonso (pseudónimo de Joaquim Guilherme Santos Silva) e outros. De Alonso, reproduz-se um cartel de 26 de Abril de 1931, duma corrida em que participaram os cavaleiros Simão da Veiga e Simão da Veiga Júnior e o matador espanhol Manolo Bienvenida. Ao lado, de autor que não conseguimos identificar (Ant. M. Santos?), um cartel nitidamente influenciado por Ruano Llopis, datado de 8 de Agosto de 1940, com Simão da Veiga e os três dos irmãos Bienvenida, Pepe, António e Ángel Luís.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Benoliel, fotógrafo (também) taurino


Joshua Benoliel foi o primeiro grande repórter fotográfico português.   De origem israelita, «magro, cheio de vivezas, de colarinhos altos a esconderem-lhe o pescoço», como o descreveu Rocha Martins, intuiu antes de todos o impacte da imagem fotográfica na imprensa, especialmente quando nela se plasma o «instante decisivo» a que aludirá, anos depois, Cartier-Bresson. Nascido em 1878, Benoliel começou a fotografar profissionalmente em 1902. No ano seguinte inicia uma colaboração com a «Ilustração Portuguesa», revista semanal d'«O Século», que durou até 1918. Na «Ilustração Portuguesa», a câmara de Benoliel contará centenas de histórias, realizando, segundo Rocha Martins, «o que raramente um artista pode conceber: embrechar com tragédia a força e com o drama o vulgar decorrer da vida». Repórter para todo o serviço, Joshua Benoliel fez a cobertura de numerosas corridas de toiros realizadas no Campo Pequeno, ao serviço da «Ilustração Portuguesa». Através dos seus clichés chegam-nos as lides agitadas dos anos 10, com toiros ressabiados a perseguirem cavalos espavoridos ou a colocarem em apuros um espada dos antigos, de muleta na mão e montera na cabeça. Como este cliché que em cima se reproduz, duma corrida picada em Lisboa, em Junho de 1909, em que toureou o califa cordovês Rafael González Machaquito.