A questão do relacionamento entre o homem e os animais e a atribuição de direitos a estes últimos é um tema recorrente do pensamento contemporâneo. Pela atribuição de direitos batem-se os chamados movimentos animalistas, para os quais as corridas de touros são condenáveis por inflingirem sofrimento aos animais. Apesar dos ataques à Festa Brava não serem novos – houve muitos ao longo da história, ditados por motivos políticos, religiosos e outros– as alegações baseadas nos direitos dos animais são relativamente recentes.
Em Portugal, as hostes animalistas foram reforçadas nos últimos anos com o aparecimento de novos movimentos, mais aguerridos do que a Sociedade Protectora dos Animais, durante muito tempo a única protagonista da luta contra as corridas. Os membros dos novos movimentos são fundamentalmente jovens de origem urbana, com formação universitária.
Até hoje, a mais mediática acção dos animalistas portugueses foi a contestação aos touros de morte em Barrancos. A questão arrastou-se durante anos, até que, por fim, foi solucionada com a legalização dos festejos taurinos característicos daquela vila raiana. Os anti-taurinos são derrotados, mas o relevo que a imprensa dá à questão confere-lhes grande visibilidade. Nos últimos tempos, a sua acção têm-se traduzido fundamentalmente em manifestações à porta de praças de touros e em actos de pressão sobre empresas que apoiam corridas e autarquias a quem cabe licenciar espectáculos taurinos. A sua maior vitória terá sido a recente compra da praça de Viana do Castelo pela autarquia e a declaração da cidade minhota como «anti-touradas». Segundo o presidente da Câmara, Defensor Moura, a realização de corridas contrariava o conceito de «cidade saudável» que Viana aspira a ser. (Continua)
quinta-feira, 30 de abril de 2009
«Alternativa» em Badajoz?
Anuncia-se uma alternativa do cavaleiro Manuel Lupi em Badajoz, concedida pelo rejoneador Pablo Hermoso de Mendoza. Estranho... Mas estão Lupi não foi alternativado no Campo Pequeno, pelo seu pai, no dia 8 de Maio de 2005? É uma «alternativa» entre aspas, diz-me alguém, uma coisa simbólica, estás a ver? Até é simpático... Pois é. Mas até eu, a quem os nacionalismos arrefecem mais do que aquecem, vejo na notícia, a confirmar-se, mais uma concessão dos nossos marialvas aos colegas rejoneadores. Então se Portugal é a pátria do toureio a cavalo, se dantes eram os espanhóis que procuravam legitimar-se entre nós, quando o rejoneio no país vizinho não passava do número del caballito, agora somos nós que lá vamos alternativar-nos? Mesmo entre aspas, mesmo num gesto simbólico? Que S. João Núncio nos valha!
quarta-feira, 29 de abril de 2009
Em defesa da Festa (I)
Nos últimos 20/30 anos, o Mundo alterou-se profundamente. As ideologias políticas, que dominaram grande parte do século XX, esbatem-se. Os partidos perdem conteúdo ideológico e as diferenças entre esquerda e direita atenuam-se. As formações partidárias «clássicas» convergem para o centro do espectro político, evitam temas arriscados («fracturantes») e cultivam o discurso politicamente correcto. Apesar destas operações de restyling, os cidadãos mostram-se desiludidos com a praxis partidária e aproximam-se de outro tipo de organizações, com origem, muitas vezes, em movimentos da sociedade civil. Estes novos agrupamentos, mais próximos dos problemas e das necessidades do cidadão comum, introduzem novos temas na agenda política. Falamos de questões tão diversas como a ecologia, a defesa do meio ambiente, a protecção dos animais e a luta contra a extinção das espécies, os direitos de cidadania, a igualdade de direitos, o combate contra as várias formas de discriminação, etc..
No quotidiano, estas teorias traduzem-se em novos estilos de vida. Promovem-se os comportamentos «saudáveis», denunciam-se os malefícios do tabaco e de certos alimentos, difundem-se as virtudes das dietas, do exercício físico e da prática desportiva. O conceito de juventude é hipervalorizado: antes de tudo, interessa ser, ou parecer, jovem. A difusão deste caldo de cultura é facilitada pelo aparecimento das novas tecnologias da comunicação, nomeadamente da Internet. O gigantesco incremento das capacidades comunicacionais transforma em realidade o sonho de McLuhan: o universo é agora a Aldeia Global. (Continua)
No quotidiano, estas teorias traduzem-se em novos estilos de vida. Promovem-se os comportamentos «saudáveis», denunciam-se os malefícios do tabaco e de certos alimentos, difundem-se as virtudes das dietas, do exercício físico e da prática desportiva. O conceito de juventude é hipervalorizado: antes de tudo, interessa ser, ou parecer, jovem. A difusão deste caldo de cultura é facilitada pelo aparecimento das novas tecnologias da comunicação, nomeadamente da Internet. O gigantesco incremento das capacidades comunicacionais transforma em realidade o sonho de McLuhan: o universo é agora a Aldeia Global. (Continua)
terça-feira, 28 de abril de 2009
Chega de carolice, mas...
Diogo Palha, no blogue Tauromania, manifesta-se contra a carolice que continua a dominar a defesa do toureio em Portugal. Apenas uma nota: segundo Palha, os anti-taurinos são «extremistas urbano-depressivos mascarados de pseudo-intelectuais modernos e evoluídos»; e a comunicação social «está pejada de pseudo-intelectuais que também pensam pouco embora se arvorem em modernos e evoluídos.» Gostava de recordar que tem sido o investimento dos anti-taurinos junto dos intelectuais ou pseudo-intelectuais que lhes tem dado a notoriedade que possuem. Em contrapartida, os taurinos portugueses (porque são muito marialvas?) não querem nada com «intelectualices» e continuam a achar que a cabeça serve para pôr o tricórnio ou o barrete e pouco mais. O resultado está à vista.
sábado, 25 de abril de 2009
Passo a citar (V)
«Pessoalmente, assistir a uma corrida de touros é em si, uma actividade tão cultural como ir ao teatro e à ópera. Os touros são uma escola de tolerância, de respeito, mas também de exigência. Suscitam inquietação, entusiasmo, emoção. Ensinam a aceitar a desilusão, a contemplar o fracasso e o triunfo como duas faces da própria vida.»
Araceli Guillaume (Revista Taurodelta, nº 11)
Araceli Guillaume (Revista Taurodelta, nº 11)
sexta-feira, 24 de abril de 2009
Que diferença!
Não vi mais do que vinte minutos do programa «Aqui e Agora» de ontem, sobre direitos dos animais. Mas o que observei deu para adivinhar o resultado do debate, que alguns blogues, hoje, confirmaram. A argumentação fria, racional, do «animalista» e «vegan» Miguel Moutinho, a maior clareza na exposição das ideias e um treino superior neste género de debates, parecem ter levado a melhor, uma vez mais, sobre o discurso terra-a-terra dos pró-taurinos: um cavaleiro, João Telles, e um empresário ex-forcado, Carlos Pegado, nitidamente com pouca «estaleca» para aquilo.
Quem poderá defender eficazmente os pontos de vista dos aficionados? Não sei. Mas duma coisa tenho a certeza: debates deste género têm que ser travados com argumentos mais elevados (éticos, filosóficos), que nitidamente escapam à grande maioria dos profissionais do toureio e dos paupérrimos críticos da nossa praça.
Uma vez mais, a questão resume-se à ausência de pensamento sobre o fenómeno taurino no nosso país. A afición lusitana não se distingue por usar a cabeça, e quando se junta é mais para beber uns copos ou distribuir prémios (?) a um lote de «artistas» que agora até inclui emboladores... Com este panorama, só em sonhos se poderá pedir a Telles e a Pegado a fluência discursiva e a solidez argumentativa exibida, por exemplo, por Andrés Amorós, no programa televisivo «Câmara Clara», há uns meses atrás.
Falta massa crítica à tauromaquia em Portugal. O chamado mundillo resume-se a pessoas directamente interessadas no fenómeno, desde ganadeiros a «críticos», alguns dos quais, numa delirante promiscuidade, são igualmente apoderados ou representantes de toureiros. É preciso que o meio se abra ao exterior. Que tente atraír personalidades de outros campos do conhecimento, para o estudo, a reflexão e o debate sobre a Festa, em vez de uma postura «orgulhosamente só», insustentável nos tempos que correm. Ganhará assim o respeito e a credibilidade que tantas vezes lhe faltam.
Quem poderá defender eficazmente os pontos de vista dos aficionados? Não sei. Mas duma coisa tenho a certeza: debates deste género têm que ser travados com argumentos mais elevados (éticos, filosóficos), que nitidamente escapam à grande maioria dos profissionais do toureio e dos paupérrimos críticos da nossa praça.
Uma vez mais, a questão resume-se à ausência de pensamento sobre o fenómeno taurino no nosso país. A afición lusitana não se distingue por usar a cabeça, e quando se junta é mais para beber uns copos ou distribuir prémios (?) a um lote de «artistas» que agora até inclui emboladores... Com este panorama, só em sonhos se poderá pedir a Telles e a Pegado a fluência discursiva e a solidez argumentativa exibida, por exemplo, por Andrés Amorós, no programa televisivo «Câmara Clara», há uns meses atrás.
Falta massa crítica à tauromaquia em Portugal. O chamado mundillo resume-se a pessoas directamente interessadas no fenómeno, desde ganadeiros a «críticos», alguns dos quais, numa delirante promiscuidade, são igualmente apoderados ou representantes de toureiros. É preciso que o meio se abra ao exterior. Que tente atraír personalidades de outros campos do conhecimento, para o estudo, a reflexão e o debate sobre a Festa, em vez de uma postura «orgulhosamente só», insustentável nos tempos que correm. Ganhará assim o respeito e a credibilidade que tantas vezes lhe faltam.
quinta-feira, 23 de abril de 2009
quarta-feira, 22 de abril de 2009
Filme tauromáquico dos Lumiére na Biblioteca Digital da UNESCO
A Biblioteca Digital Mundial da UNESCO, ontem inaugurada, disponibiliza gratuitamente um conjunto de fontes documentais provenientes de países e culturas de todo o mundo. No acervo da Biblioteca encontra-se uma película dos irmãos Lumiére, com cerca de sete minutos, que retrata as procissões da Semana Santa em Sevilha e uma corrida de touros. O filme terá sido produzido em 1898/1899. Um dos matadores actuantes parece ser o famoso Rafael Guerra Guerrita. Aceda clicando aqui.
sexta-feira, 17 de abril de 2009
Passo a citar (IV)
Na «tauromaquia, aquilo que se acusa de 'barbárie' não é mais do que a representação directa e material de categorias simbólicas, como a violência e a morte, que todas as culturas tratam de uma ou outra maneira. (...) Que não é, apenas, uma excrescência do passado, embora tenha tantos anos como a pintura e a música e mais do que o teatro, prova-o o facto de continuar em plena transformação.»
Luís Capucha (Sociologia-Problemas e Práticas, nº 8, 1990)
quinta-feira, 16 de abril de 2009
Sobre a Maestranza
Até ao próximo dia 3 de Maio, a feira de Sevilha vai animar a arena de uma das mais belas praças de touros do mundo: a Real Maestranza. A propósito deste coso, recorde-se que o seu nome deriva da instituição a que pertence: a Real Maestranza de Caballeria de Sevilha. Fundada em 1670, a Real Maestranza é uma corporação que se destinou inicialmente à preparação militar dos nobres sevilhanos. Pretendia-se deste modo formar oficiais para o exército, que soubessem cavalgar e manejar as armas com destreza. Em 1730, a instituição recebeu do rei Filipe V o privilégio de organizar corridas de touros, o que a levou a construir a praça que hoje se conhece como Real Maestranza. O resultado foi um belíssimo edifício, de arquitectura tardo-barroca. Pormenor importante: o conjunto escultórico que encima o chamado Palco Real, a tribuna de onde os reis assistem às corridas, é da autoria do escultor português Caetano da Costa, nascido em 1711 e emigrado na capital andaluza.
segunda-feira, 13 de abril de 2009
Simão da Veiga no México
O cavaleiro Simão da Veiga Júnior obteve significativos triunfos além-fronteiras. Em 1939 deslocou-se ao México, onde toureou com as maiores figuras daquele país. O cartel que se reproduz (obtido em laaldeadetauro.blogspot.com) data de 23 de Abril de 1939 e anuncia Simão na praça de San Marcos, em Aguascalientes. Com ele fizeram o paseíllo os matadores Armillita, Silvério Perez e Eduardo Solorzano. Os touros pertenciam à ganadaria de Peñuelas.
Memória portuguesa do «señor Curro Guillén»
Francisco Herrera Rodríguez, mais conhecido por Curro Guillén, foi um dos mais destacados
matadores de touros dos alvores do século XIX. Nascido em Utrera, em 1783, Guillén cedo começou a colher êxitos em Madrid e Sevilha, alternando com os diestros mais importantes do seu tempo, entre os quais José Romero e Jerónimo José Cândido. Curiosamente, a carreira de Curro Guillén encontra-se ligada a Portugal, país para onde foi «empurrado» pela invasão de Espanha pelas tropas napoleónicas.
O toureiro terá chegado a Lisboa em 1812, na companhia de outros bons lidadores, como Juan Jiménez El Morenillo, e rapidamente se popularizou, não apenas pelos triunfos nas arenas como pela sua personalidade. «Retratos seus, recordações e peças da sua indumentária vendiam-se em Lisboa a altos preços», conta José María de Cossío («Los Toros», III vol.).
A graça e o garbo do sevilhano, «unidos a uma figura gentil e galharda e a um carácter simpático e alegre», conquistaram-lhe «a simpatia de todas as classes sociais lisboetas, e as aventuras e conquistas amorosas que efectuou foram soadas e comentadas por largo tempo.» Ao fim de dois anos, Curro Guillén pensou voltar a Espanha, mas os portugueses tentaram retê-lo de todos os modos. Segundo Cossío, até as autoridades portuguesas «fizeram dispendiosos esforços e ofereceram-lhe grandes somas para que ficasse mais tempo.» Chegaram a mentir-lhe, dizendo que o rei espanhol Fernando VII pensava em acabar com as corridas de toiros. Apesar destas instâncias, Guillén regressou ao seu país, onde prosseguiu a sua triunfante carreira. Esta veio a terminar a 21 de Maio de 1820, na praça de Ronda, quando um toiro de Cabrera lhe inferiu uma cornada mortal. Para a posteridade ficou um verso, deliciosamente hiperbólico, que traduz a grandeza toureira do sevilhano: «Bien puede decir que ha visto/ lo que en el mundo hay que ver/ el que ha visto matar toros/ al señor Curro Guillén».
sexta-feira, 3 de abril de 2009
O exemplo vem dos Açores
Por iniciativa da Tertúlia Tauromáquica Terceirense, vai realizar-se a 4 de Abril, no auditório da Universidade dos Açores, uma conferência intitulada «Importância da Sorte de Varas». Intervirão José Carlos Arévalo, director da revista «6Toros6», João Folque de Mendonça, ganadeiro, Rafael Trancas, picador, António Castañares, crítico da «6Toros6», e Gomez Escorial, matador de toiros. Antes da conferência, efectuar-se-á uma tenta na arena da Monumental Ilha Terceira. Depois da organização do magnífico Fórum Mundial da Cultura Taurina, a Tertúlia Tauromáquica Terceirense dá novas mostras de vitalidade e de sintonia com os valores universais da Festa de toiros, numa altura em que se debate o retorno da sorte de varas aos Açores. Quando teremos por cá, pelo «continente» da prosápia e do analfabetismo taurino, dos brandos costumes e das tricas fúteis, coragem para discutir semelhante tema?
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