sábado, 15 de maio de 2010
A tragédia de Talavera, 90 anos depois
Na cronologia do toureio, o mês de Maio é fatal. A 12 de Maio de 1904, como vimos no post anterior, foi mortalmente colhido o cavaleiro Fernando de Oliveira; nos dias 27 de Maio de 1894 e 1897, morreram Manuel García El Espartero e Júlio Aparici Fabrilo, nas praças de Madrid e Valência; a 7 de Maio de 1922, o touro Pocapena matou Manuel Granero; a 31 de Maio de 1931, tombou Gitanillo de Triana, vítima de Fandanguero; em 24 de Maio de 1941, Pascual Márquez, em Sevilha; e a 16 de Maio de 1920, em Talavera de la Reina, aquele a quem chamaram o Rei dos Toureiros, José Gómez Ortega, Gallito ou Joselito.
Gallito nasceu em Gelves, em 8 de Maio de 1895, filho do matador Fernando Gómez e irmão do legendário Rafael El Gallo. Com 12 anos começou a lidar bezerros, denotando desde logo uma intuição e umas qualidades excepcionais.
Ao tomar a alternativa em Madrid, com uns imberbes 17 anos, é-lhe já reconhecido o estatuto de maestro, pelo saber e maturidade de que dá mostras. Apenas Juan Belmonte lhe fez frente, numa rivalidade que despertou paixões nunca vistas e deu a essa época o epíteto de Idade de Ouro do toureiro.
O genial Gallito estreou-se no Campo Pequeno em 1908, integrado numa quadrilha de jovencíssimos toureiros, os Niños Sevillanos. Já matador consagrado, voltou a Lisboa diversas vezes, nomeadamente em 5 de Outubro de 1915, a 4 de Julho e a 10 de Outubro de 1917, a 9 e a 13 de Outubro de 1919. Poucos meses decorridos, em 16 de Maio de 1920, Bailaor, da Viúva de Ortega, um touro sem classe nem trapio, ceifar-lhe-ia a vida, na modesta praça de Talavera de la Reina. Passam agora 90 anos.
quarta-feira, 12 de maio de 2010
Fernando de Oliveira morreu há 106 anos
Em 12 de Maio de 1904, passam hoje 106 anos, foi mortalmente colhido o cavaleiro Fernando de Oliveira, na praça do Campo Pequeno. Ferrador, um toiro da ganadaria do marquês de Castelo Melhor, atingiu o cavalo de Fernando de Oliveira, o Azeitona, derrubando-o com estrépito. O cavaleiro bateu com a cabeça no solo, fracturando a base do crânio. A morte foi quase instantânea. O jornalista Norberto de Araújo descreve assim o trágico acontecimento:
«Fernando de Oliveira, que recebera a farpa da mão do espanhol Currinche, um bandarilheiro castelhano e medíocre, passa pelo sector 1, onde os amigos, debruçados sobre as capas, azul uma, branca outra, de Manuel dos Santos e Tomás da Rocha, o aplaudem; sorri vagamente a Bombita Chico, depois o famoso Ricardo Bombita, que da trincheira, ao lado de Chicuelo, segue a jornada do cavalo; saúda com mal disfarçado respeito as Majestades que olham o redondel distraidamente – e toma à esquerda o lugar para a gaiola. O Ferrador endireitou ao vulto do capote de Teodoro e a gaiola falhou para o cavaleiro. (...)
E que lindo vai agora o Azeitona, numa meia volta que Fernando de Oliveira remata com o seu brilhantismo peculiar! Mas o toiro é tardo e difícil. Fernando já saiu em falso duas vezes... É preciso apertar. Das barreiras, dos sectores de sombra e sombra-sol incitam-no. Há um pequeno silêncio no circo. Vai outra meia volta, e adivinha-se perigosa.
O toiro está nos tércios, em frente do sector 6, sombra-sol, e Morenito, um espanhol de Bombita, atira-lhe o capote. O toiro coloca-se, ainda que apertado. Fernando dá então uma sacudidela ao cavalo, que larga, enquanto a voz possante do cavaleiro incita o bicho – que se volta a sorte. O cavaleiro, corajosamente, remata, mas remata consentindo, isto é, deixando o toiro entrar muito. Cravou o ferro. Há um frémito, agora... O toiro colhera o ginete pela anca e, na violência da pancada, o Azeitona tombou, desequilibrou-se, foi ao solo. Já grita a praça em peso, aos capotes. Correm os espanhóis, porque tudo fora num segundo, pouco mais que num segundo. O cavaleiro saíra pela cabeça do cavalo, e está agora debaixo da montada, aquela montada gentil e donairosa, esperança do cavaleiro para breve, e que o toiro carrega, numa fúria, numa violência.
Por momentos está tudo de pé, nos sectores. Os capotes são inúteis; quase é preciso puxar o bicho, que alfim deixa a presa, já quando Fernando de Oliveira, sangrando da cabeça, com as abas da casaca vermelha voltadas sobre as costas – não dava acordo de si. O cavalo, sem governo, corre desordenadamente a praça. Todos os capotes estão agora em cena. Fernando é levado para a enfermaria. Pela praça vai um frio de morte.» (Norberto de Araújo, «A Morte Trágica de Fernando de Oliveira»)
«Fernando de Oliveira, que recebera a farpa da mão do espanhol Currinche, um bandarilheiro castelhano e medíocre, passa pelo sector 1, onde os amigos, debruçados sobre as capas, azul uma, branca outra, de Manuel dos Santos e Tomás da Rocha, o aplaudem; sorri vagamente a Bombita Chico, depois o famoso Ricardo Bombita, que da trincheira, ao lado de Chicuelo, segue a jornada do cavalo; saúda com mal disfarçado respeito as Majestades que olham o redondel distraidamente – e toma à esquerda o lugar para a gaiola. O Ferrador endireitou ao vulto do capote de Teodoro e a gaiola falhou para o cavaleiro. (...)
E que lindo vai agora o Azeitona, numa meia volta que Fernando de Oliveira remata com o seu brilhantismo peculiar! Mas o toiro é tardo e difícil. Fernando já saiu em falso duas vezes... É preciso apertar. Das barreiras, dos sectores de sombra e sombra-sol incitam-no. Há um pequeno silêncio no circo. Vai outra meia volta, e adivinha-se perigosa.
O toiro está nos tércios, em frente do sector 6, sombra-sol, e Morenito, um espanhol de Bombita, atira-lhe o capote. O toiro coloca-se, ainda que apertado. Fernando dá então uma sacudidela ao cavalo, que larga, enquanto a voz possante do cavaleiro incita o bicho – que se volta a sorte. O cavaleiro, corajosamente, remata, mas remata consentindo, isto é, deixando o toiro entrar muito. Cravou o ferro. Há um frémito, agora... O toiro colhera o ginete pela anca e, na violência da pancada, o Azeitona tombou, desequilibrou-se, foi ao solo. Já grita a praça em peso, aos capotes. Correm os espanhóis, porque tudo fora num segundo, pouco mais que num segundo. O cavaleiro saíra pela cabeça do cavalo, e está agora debaixo da montada, aquela montada gentil e donairosa, esperança do cavaleiro para breve, e que o toiro carrega, numa fúria, numa violência.
Por momentos está tudo de pé, nos sectores. Os capotes são inúteis; quase é preciso puxar o bicho, que alfim deixa a presa, já quando Fernando de Oliveira, sangrando da cabeça, com as abas da casaca vermelha voltadas sobre as costas – não dava acordo de si. O cavalo, sem governo, corre desordenadamente a praça. Todos os capotes estão agora em cena. Fernando é levado para a enfermaria. Pela praça vai um frio de morte.» (Norberto de Araújo, «A Morte Trágica de Fernando de Oliveira»)
quinta-feira, 6 de maio de 2010
Despedidas de António Fuentes
O sevilhano António Fuentes y Zurita (1869-1938) foi um importante toureiro do período de transição entre os séculos XIX e XX, que vai da retirada de Rafael Guerra Guerrita ao advento de José Gómez Ortega Joselito.
Fuentes triunfa numa época de toureiros medianos, que Guerrita, apocalíptico e brutal, caracterizou numa frase célebre: «Después de mi, nadie, y después de nadie... Fuentes» («Depois de mim ninguém, e depois de ninguém... Fuentes»).
A elegância era a maior virtude de António Fuentes. Chamaram-lhe o Petrónio do Toureio, pela forma airosa com que lidava as agrestes reses do seu tempo. Mas tinha defeitos, entre os quais avultavam o deficiente manejo do estoque e uma grande irregularidade, fruto da apatia que muitas vezes demonstrava. Contudo, tal não impedia que os públicos o mimassem e a fina figura do toureiro sevilhano se destacasse entre a geração dos nadie.
Lisboa começou a idolatrar António Fuentes ainda este era apenas bandarilheiro na quadrilha do matador José Sánchez del Campo Cara Ancha. Correspondendo ao interesse da afición portuguesa, o sevilhano compareceu diversas vezes no Campo Pequeno, onde recolheu vibrantes ovações. Naquela que foi a sua primeira retirada, em 1908, Fuentes despediu-se do público lisboeta com uma corrida no Campo Pequeno, em meados daquele ano. A revista «Ilustração Portuguesa» deu grande destaque ao acontecimento, concedendo ao matador honras de capa e duas páginas com fotografias daquela que se pensava ser a última tarde de Fuentes em Lisboa.
Acontece que o diestro deu o dito por não dito e em 1910 reaparece. Regressa ao Campo Pequeno e a imprensa volta a dedicar-lhe atenção. O fotógrafo Joshua Benoliel retrata-o para a «Ilustração Portuguesa», sentado no estribo da trincheira, como um imperador no seu trono. Diminuído de faculdades e lembrando vagamente o extraordinário toureiro que havia sido, arrasta-se por praças da América Latina até 1921.
«O seu toureio era fino, clássico e sumamente elegante», lê-se, sobre António Fuentes, no 3º volume da enciclopédia «Los Toros». Com as bandarilhas, «mostrava-se sempre adornado, preciso e seguro (...) Manejava a muleta como poucos souberam manejá-la, com mesura e galhardia». António Fuentes morreu na sua cidade natal, em 9 de Maio de 1938.
terça-feira, 4 de maio de 2010
Juan Belmonte no Campo Pequeno
Juan Belmonte (à esquerda), protagonista, juntamente com Joselito, da mais esplendorosa época do toureio, actuou diversas vezes em Lisboa. A primeira em 17 de Setembro de 1914, alternando com Manuel Mejías Bienvenida, na lide de exemplares de Infante da Câmara. Zé Jaleco, cronista d'«O Século», conta que o Pasmo de Triana «causou verdadeira admiração, pela maneira por que se arrima aos touros, dominando-os com lances arriscadíssimos. Foram soberbos os passes naturais, as verónicas e os molinetes, que executou com requintada elegância e mestria. As ovações que se fizeram ao diestro foram estrondosas e, realmente, mereceu-as.» Belmonte repetiu a 10 de Junho de 1915, ao lado de Manuel Torres Bombita III, novamente com touros de Infante da Câmara, em corrida picada. Juan e o irmão mais novo dos Bombas «lancearam de capote, com elegância e arte, adornando-se aos quites por forma a provocar aplausos, especialmente no 7º touro, acabando por lancear al alimón, isto é, ambos com o mesmo capote, terminando por ajoelhar diante do bicho», lê-se no «Diário de Notícias».
«Com a muleta, ambos os diestros se adornaram, sendo no entanto mais luzidas as faenas de Bombita, embora as de Belmonte fossem mais artísticas.» São desta corrida as imagens que se reproduzem, extraídas da revista «Ilustração Portuguesa».
Juan Belmonte, o revolucionário do toureio, encontrava-se nesse ano de 1915 em plena rivalidade com Joselito. «Na temporada de 1915 contratei cento e quinze corridas, das quais toureei noventa», declara o diestro sevilhano na sua biografia, «Juan Belmonte Matador de Toros». «Alternei com Joselito em sessenta e oito, porque cada vez os públicos se encarniçavam mais com a competência que se obstinavam em suscitar e manter entre nós.» É de 1915 o clamoroso triunfo do trianero na Corrida de Beneficência, em Madrid, «data gloriosa nos anais daquilo a que se chama 'o belmontismo'». Rezam as crónicas que Juan ligou, de forma assombrosa, quatro passes naturais com um passe de peito. No «ABC» do dia seguinte, lia-se: «Corrida de Beneficência! A caridade e a arte. Ao fundir-se num traje de luces tomam a figura trágica de um toureiro, e este chama-se Juan Belmonte».
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