Entre 1927 e 1933, o ambiente taurino nacional foi sacudido pela questão dos toiros de morte. Tudo começou em 12 de Junho de 1927, numa corrida no Campo Pequeno, organizada pela Liga dos Combatentes, que tinha no cartaz o cavaleiro António Luiz Lopes e os espadas Fausto Barajas e Juan Espinosa Armillita, com toiros de Assunção Coimbra. Presidia ao espectáculo João Maria Ferreira do Amaral, governador civil de Lisboa e comandante da Polícia, e no camarote de honra encontravam-se o Presidente da República e vários ministros.
No final duma lide muito aplaudida, António Luiz Lopes pega no rojão de morte, dando mostras de querer estoquear o toiro. Porém, Ferreira do Amaral opõe-se, e o cavaleiro de Alhandra, acatando a decisão da autoridade, volta atrás. O público é que não concorda. «O caso levantou protestos por parte do público», nota o repórter d'«O Século». «Alguns conflitos pessoais se deram entre um reduzido número de espectadores e aos quais a Polícia, sem consequências de maior, pôs termo».
O espectáculo prossegue normalmente, até à lide do sétimo toiro, que coube a Fausto Barajas. Num gesto libertador, o madrileno pede autorização a Ferreira do Amaral para usar o estoque de verdade. Desta vez, o governador civil cede e Barajas faz rodar o coimbra com meia estocada e dois descabellos. Armillita faz o mesmo, deitando o seu toiro por terra com uma estocada inteira.
O clamor foi unânime. «Não se pode descrever o entusiasmo dos aficionados e a ovação que foi feita aos dois artistas: palmas, lenços agitados, etc. O público saltou à arena, pegou em triunfo nos 'espadas' dando volta aquela, no meio da maior ovação que temos presenciado em touradas, e assim foram os 'diestros' conduzidos até fora da praça», escreve Máximo Alcobia, n'«O Século».
Como explicar o sucedido? Por que morreram estes coimbras na arena, como os toiros bravos, e não no vil matadouro? Um conjunto de circunstâncias terá contribuído para tal. Estávamos em 1927. No ano anterior, a revolução de 28 de Maio tinha derrubado a I República e iniciado um novo ciclo político. Os tempos pareciam propícios a mudanças e, entre elas, por que não os toiros de morte? Havia depois a autoridade que o presidente dessa corrida histórica detinha. Respeitado pelos seus feitos militares em África e na Flandres, e sobretudo pelo combate à violência política nos derradeiros anos da I República, Ferreira do Amaral podia permitir-se o gesto de consentir um espectáculo que, de resto, a lei não proibia expressamente. O Decreto 5650 punia a violência exercida sobre animais, a Portaria 2700, de 6 de Abril de 1921, veio esclarecer que ele compreendia implicitamente os toiros de morte, mas, preto no branco, nenhum diploma os interditava. Por fim, não é demais referir que o toureio a pé gozava nesse tempo de grande popularidade em Portugal. Ao Campo Pequeno acorriam os grandes diestros do país vizinho, desde os Bienvenida a Marcial Lalanda, passando por Chicuelo e Niño de la Palma, até mexicanos como Pepe Ortíz e Armillita. Esta conjugação de factores abriu caminho ao mais sério debate sobre a reimplantação dos toiros de morte em Portugal, que se prolongou, como veremos, até 1933.
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