O cronista taurino João Cristóvão Moreira, mais conhecido pelo apodo de Solilóquio, cumpre 70 anos no próximo dia 24 de Fevereiro. Nascido em Lisboa, em 1929, João Cristóvão Moreira exerceu ao longo da sua vida funções diversificadas: foi comandante de Marinha, director-geral do Comércio, secretário de Estado da Descolonização e da Integração Administrativa, director de serviços da companhia de seguros Tranquilidade, administrador da Empresa Pública dos Jornais Notícias e Capital e director-adjunto da revista «Negócios». Fez crítica taurina no «Diário de Lisboa» e no «Diário de Notícias» e colaborou na revista «Novo Burladero». As suas últimas crónicas reportam-se à temporada de 2000 e encontram-se no livro «O Corte da Coleta» (2003). Porque Solilóquio não se limitava a publicar as suas crónicas nas colunas dos jornais. Pontualmente, no início de cada ano, editava um livro com as crónicas da temporada anterior. Entre 1965 e 2003, deu à estampa 33 preciosos volumes, com títulos que são quase sempre um achado de graça e engenho: «Broncas e Olés», «Toca a Música», «Touros e Portarias», «Até ao Rabo é Touro», «Memórias de um Bilhete de Sol», «Farpas e Barretes», «No País das Touradas», «Os Clarins da Esperança», «Tércio de Quites»... Solilóquio publicou ainda uma sentida biografia do diestro José Falcão, que se espera que a Câmara de Vila Franca reedite um dia, e os livros «Coração não tem Cor» e «Uma Vela na Escuridão».
O seu primeiro livro, «Ao Sol da Ibéria», compilação de crónicas que vão de 1948 a 1964, foi uma pedrada no charco morno do mundillo taurino português. Com uma mão cheia de textos inovadores, de uma acutilância e qualidade literária que apenas encontra precedente nos escritos de outro grande cronista, D. Bernardo Mesquitela, Solilóquio veio demonstrar que a crítica taurina podia ultrapassar os gastos clichés que então se usavam. Das rísiveis peculiares da corrida à portuguesa (o embolado e o afeitado, a chateza do intervalo e os cabrestos, a morte simulada e a voltinha à arena) extraiu irónicos apontamentos e, muitas vezes, a beleza que na praça não se viu. Admirador de João Núncio e dos toureiros de arte, como Rafael de Paula e Curro Romero, Solilóquio sempre se manteve arredado dos mentideros taurinos e das suas tantas vezes nefastas cumplicidades. Por isso deixou na Festa um rasto de dignidade e maestria difícil de igualar.
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
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4 comentários:
Obrigado pelo comentário. Solilóquio é sem dúvida o grande cronista taurino português das últimas décadas.
Caro Alberto Franco,
Nisto dos touros ninguém sabe tudo mas valha a verdade que há alguns que sabem um pouco mais e mais difícil, sabem transmitir os seus conhecimentos de uma maneira apaixonante.
Um desses casos é o de Cristóvão Moreira (Solilóquio) actualmente e infelizmente retirado das lides da escrita taurina.
Julgo que ainda não foi suficientemente reconhecido o valor deste excelente aficionado que a história irá certamente reconhecer e perpetuar.
Há uns anos atrás (2005)publiquei uma carta aberta a Solilóquio num sítio da internet onde na altura colaborava.
Foram estas as palavras,que reproduzo em jeito de homenagem a um dos maiores da literatura taurina lusitana:
"Em Novembro de 2003, ao ler o “Correio da Manhã”, uma notícia prendeu-me a atenção, a saída de mais uma obra de Solilóquio - mais um tratado de amor pela festa de touros - já se tinham passado cerca de três anos desde a última faena em livro do Senhor Comandante, este seria o trigésimo quarto, nos últimos trinta e oito anos a falar - com a sua inconfundível e deliciosa ironia - de touros, toureiros e do mais imponente e sério redondel do mundo, a arena da vida.
Mas a alegria que me conquistara, ao começar a ler a notícia - qual comportamento do touro durante a lide - rápidamente passou para o sentimento antagónico, depois de me aperceber que este “Corte da Coleta” seria a sua despedida das letras taurinas, do “a,e,i,o,u”que me ensinou como ninguém a ser aficionado, a apreciar e compreender a Festa, muito para além daquilo que se passa numa arena de uma qualquer praça, durante o tempo do espectáculo.
Depois de ler as suas obras, aprendi a valorizar com igual bitola, o artista principal e os chamados de subalternos, e quantas vezes o mais importante numa corrida, aquilo que fica na nossa memória e apela aos nossos sentimentos é representado pelo bandarilheiro, pelo campino ou pelo rabejador ... mas acima de tudo aprendi que devemos respeitar o toiro e a sua verdade, esse animal único e magnífico - razão principal de existência da arte do toureio.
Podemos assim dizer, sem exagero de espécie alguma, que depois de ler Solilóquio, o mais difícil, ao comum dos mortais, é não ficar aficionado à Festa dos Touros e a todas as virtudes e valores nela representados - que grande mérito este, o de trazer pela palavra escrita, novos aficionados ou simples simpatizantes ao mundo taurino!
Durante o século passado, evidenciaram-se nas letras taurinas portuguesas, salvo melhor opinião, Pepe Luís, D. Bernardo da Costa Mesquitela, Rogério Perez, Leopoldo Nunes, Saraiva Lima e Jaime Duarte de Almeida, cujos escritos, ainda hoje, são um “oásis de água fresca”, no actual panorama da escrita sobre touros em Portugal. Mas no primeiro lugar deste “escalafon”- em plano de “maestro” e triunfador - devemos colocá-lo a si, Cristóvão Moreira, aquele que está, na minha modesta opinião, para a literatura taurina como João Núncio esteve para o toureio a cavalo, marcando a fronteira do antes e depois de Solilóquio, com inovação, saber, seriedade e ousadia, através de um estilo único e inconfundível, tudo isto impregnado do “duende” próprio dos predestinados, qual “Rafael de Paula” da crónica taurina.
Depois do que ficou escrito, assumo com todo o orgulho e convicção que sou e serei sempre “soliloquista”, na minha maneira de ser aficionado, de falar e escrever sobre touros e toureiros, de ser um apaixonado pela Festa, onde quer que ela exista e sempre existirá enquanto houver poetas que a sintam!
Para finalizar e em sentido, peço autorização ao Senhor Comandante, para lhe fazer,com emoção, numa palavra simples mas profunda, um pedido: REAPAREÇA!!!"
Um abraço,
Fernando Baptista
Exmos Senhores, caríssimos aficcionados
Sou filha de Solilóquio e ontem tive o grande gosto de poder mostrar-lhe estes textos que lhe dedicaram. Vi tanta satisfação e comoção nos seus olhos que não podia deixar de manifestar aqui o meu agradecimento.
Bem hajam!
Teresa Moreira
Em Maio de 2005, pouco tempo depois de, pela primeira vez, ter começado a escrever sobre touros - por pura “aficion” e muita carolice, nada mais e assim tenciono continuar - na página Naturales, incentivado e desafiado pelo jornalista Eugénio Eiroa, senti-me no dever, no sentido de agradecimento, de escrever as modestas palavras acima reproduzidas, dirigidas ao Senhor que eu considero ter sido um dos grandes responsáveis, quiçá o maior, pela minha condição de aficionado à Festa dos Touros.
Na altura, a publicação da minha carta aberta a “Solilóquio” coincidia com a triste notícia, da sua despedida, das “arenas da escrita”, muitas décadas e livros depois de ter iniciado a sua carreira, nas letras taurinas e não só, tendo sido muito doloroso, tomar consciência, que o volume “Corte da Coleta” seria o epílogo de tão dilatada e brilhante trajectória.
Cerca de dois anos depois, imaginem a minha satisfação, por ter conhecimento que a revista “Novo Burladero”, decidiu outorgar ao Senhor Comandante, o I Prémio Bacatum, instituído para recordar essa grande figura dos subalternos - de seu nome Ludovino Ferreira Carvalho Bacatum, que tanta saudade nos deixou - e homenagear anualmente, uma individualidade da Tauromaquia, que pelos seus feitos e méritos próprios, da lei da morte se libertou.
Nada mais justo, na minha humilde opinião, “Solilóquio” ter sido o primeiro dos primeiros, o que só honrará aqueles que o seguirão, na concessão deste Prémio, a que desejamos longa vida e maior prestígio … uma vez mais, um sentido obrigado, Maestro “Solilóquio” e até sempre !!!
Fernando Baptista
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